As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 135
praticou políticas de esquerda. Em parte porque lhe faltavam
condições objetivas para reformas mais sistêmicas, e em parte
porque o presidencialismo de coalizão o manteve sob controle.
O episódio do “mensalão” foi sua principal manifestação e por
muito pouco não soterrou o primeiro governo Lula e as aspirações futuras do Partido dos Trabalhadores.
Com o governo Dilma, o quadro ganhou contornos mais
dramáticos. Em primeiro lugar, porque o sistema não pode mais
contar com a liderança formal de Lula e perdeu tudo aquilo que
o ex-presidente agregava de capacidade de negociação e articulação. Em segundo lugar, porque os partidos aliados, percebendo a abertura de um vazio na Presidência da República, incrementaram suas demandas e pressões, convertendo-as em
chantagem política. Esteio parlamentar do governo, o PMDB
passou a agir como fiel da balança, impedindo o governo de “radicalizar” sua ação em troca do apoio a certas políticas de natureza mais tópica. Com isso, o presidencialismo de coalizão deixou de ser um sistema de alianças e se converteu numa
modalidade errática de acomodação, num procedimento que
atraiu, para a base de apoio ao governo, partidos que tinham
pouca afinidade com o governo e que em outras situações agiriam como oposição a ele. Dá para imaginar o quanto de lealdade possa existir num arranjo desse tipo. Com sua reprodução,
cresceu o risco de instabilidade política e aumentou intensamente o custo da coordenação governamental.
A presidente procurou reiterar sua vocação para cuidar da
gestão governamental e terminou, com isso, por deixar um flanco desguarnecido, o da coordenação política. Transferiu esta
função para outros setores de seu governo, que não se mostraram preparados para exercer o papel. Faltaram operadores políticos competentes ao governo, fato que, entre outras coisas, deixou espaço para que se sentisse a ausência de Lula. Ele, a rigor,
em nenhum momento saiu de cena. Seu discurso foi sempre o
da cooperação e do apoio a uma companheira de partido. Mas a
III. Voo panorâmico sobre o governo Dilma
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