As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 118

Ganha apoio para aprovar determinados projetos, mas perde capacidade de coesão e gestão na medida em que é forçada a administrar e contemplar aliados heterogêneos, convivendo diariamente com o inferno das demandas e das chantagens. O sistema poderia funcionar – e ser, assim, um eficiente arranjo para acomodar as coalizões inevitáveis – caso a chamada “classe política” tivesse melhor qualidade e fosse capaz de se autocoordenar. A má qualidade dos parlamentares tem a ver tanto com o despreparo político de muitos deles, quanto com os compromissos que mantém com interesses espúrios ou com setores sociais mais atrasados, fato que transfere para o Parlamento uma demanda de teor verdadeiramente explosivo. Mas também retrata a inexistência de mecanismos que eduquem os políticos, que os façam agir de modo mais coordenado e menos corporativo, mais de acordo com o interesse público do que com interesses privados. Os partidos políticos deveriam ser essas escolas de política, mas não o são. Estão todos ou acomodados na tradicional posição de fazer o cerco (e a corte) ao poder, ou às voltas com problemas internos recorrentes ou à espera das próximas eleições. Não se afirmam no Legislativo nem na sociedade. Emergiu desse vácuo outro inimigo de Dilma em seus primeiros meses de governo. Sentindo a existência de alguma precariedade na articulação política da Presidência, aliados e petistas chamaram ao palco uma liderança conhecida por suas habilidades de negociador. Lula irrompeu em Brasília e trouxe consigo a marca da inconveniência. Com ou sem intenção, passou a imagem de que é mais forte do que a presidente e de que poderia convertê-la em refém. Enfraqueceu-a perante a opinião pública, sugerindo que se alguém reúne condições efetivas de coordenar o governo esse alguém está fora, e não dentro, do Palácio do Planalto. A repercussão do fato produziu múltiplos efeitos e em certa medida contribuiu para que a presidente percebesse que teria de agir com determinação para delimitar seu espaço de atuação e crescer como liderança política. 116 As ruas e a democracia