As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 114
Também por isso, o PT foi sugado pela máquina estatal durante os anos de Lula. Passou a se concentrar na manutenção do
poder e dos espaços políticos conquistados, refreando seus vínculos com a sociedade civil. Mesmo os tradicionais laços que
mantinha com o sindicalismo industrial de ponta foram enfraquecidos. Deu-se o mesmo no relacionamento com o Movimento dos Sem-Terra (MST). A própria vida partidária – o debate interno, a preparação dos quadros, a comunicação pública,
a cultura da militância – foi relegada a plano secundário, o que
fez com que o PT crescesse em número mas perdesse em qualidade. Recebendo adesões de caráter “fisiológico”, impulsionadas pela perspectiva de obtenção de ganhos políticos (cargos,
verbas, mandatos), o partido encorpou mas retrocedeu no debate público, na elaboração teórica e na atuação parlamentar.
Esta inflexão do PT foi favorecida por três características
marcantes do período Lula.
Primeiro, o modo como o ex-presidente e o núcleo de seus
assessores mais próximos praticaram a política de alianças. Ati
vadas pelo estilo conciliador de Lula e reunindo apoios sem
qualquer compromisso programático, as alianças daqueles anos
demarcaram um antes e um depois na história do PT. Levaram,
por exemplo, a que o partido fosse projetado no centro da crise
política de 2005, determinada pelo episódio do assim chamado
“mensalão”, no qual veio à tona a existência de um esquema de
compra de votos parlamentares para compor maiorias necessárias ao governo. O episódio contribuiu para empurrar o PT para
uma grave crise de identidade e protagonismo.
A segunda característica marcante do período Lula foi sua
tendência a incentivar o preenchimento de cargos públicos mediante o privilegiamento dos quadros partidários ou da base
aliada. Tal tipo de “aparelhamento” incrementou a relação preferencial do PT com o Estado, roubando-lhe vigor e autonomia,
além de ter dificultado a racionalização gerencial da gestão pú-
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