As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 110

duzindo a miséria e expandindo o mercado interno, graças à ampliação do crédito popular, aos programas de transferência de renda e à recuperação do emprego. Encontrou uma sociedade em reorganização e progredindo socialmente: em tese, uma sociedade mais disposta a transferir apoio a seus governantes e menos propensa a fazer com que prevalecessem interesses particulares excessivamente “egoístas”. Na vida prática, porém, tratava-se de uma sociedade que estava mergulhando nos mecanismos consumistas típicos da modernidade atual e que, ao fazer isso, tornava-se menos solidária e mais competitiva. Era uma sociedade que continuava pedindo garantias, direitos e proteção, mas que também aprofundava sua inserção nas trilhas da despolitização e passava a ver o mundo em termos mais mercantis, aliviando parcialmente a pressão sobre o Estado. Havia como que um adormecimento das paixões públicas, em benefício de maior entrega à vida privada. A continuidade da política econômica – não somente com a de Lula (2003-2010), mas também com a de FHC (1994-2002) – parecia funcionar como decisivo aliado da ação governamental, graças aos sucessos que propiciava na estabilização monetária e no controle da inflação. O país estava sob efeito de um período de vacas gordas, com saldos na balança comercial e maior equilíbrio entre receitas e despesas do setor público. A face política e administrativa do Estado, por sua vez, se não havia corrigido por inteiro seus problemas crônicos (ineficiência, inchaço, custo elevado, despreparo), também não piorara. A administração permaneceu contagiada pela dinâmica gerencial que se vinha afirmando desde a reforma administrativa de 199495. Além do mais, estava submetida a maior grau de fiscalização por parte da opinião pública, fato que a tornava mais transparente e mais passível de controle. A corrupção não cre