As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 103
instalação no país de uma democracia plena, aberta à participação popular e à sociedade civil.
O Brasil está hoje em um ponto de inflexão. Se os protestos
de junho disseram alguma coisa foi isso: tudo precisa ser diferente a partir de agora. Se será, não dá para saber. Mas seria bom
se pudesse ser. O país não vai bem. O discurso positivo dos governos é desmentido cotidianamente pelos fatos. Há uma sensação de urgência instalada na sociedade, ainda que não se tenha
uma tragédia à vista.
Se uma crítica deve ser feita à Presidência é a de não ter tido a
ousadia de chamar as forças políticas do país para uma negociação em alto nível. Ela falou em “pactos”, mas não propôs nenhuma pactuação. Defendeu a necessidade da reforma política, mas
não propôs nenhuma reforma concreta. Ficou sem condições de
produzir consensos, pois os detalhes de uma proposta de reforma
é que podem agregar. Travou o debate, em vez de facilitá-lo.
Ocorreu algo parecido com as medidas destinadas a reformar a
Saúde: elas têm mérito e mais acertam do que erram, mas foram
propostas de cima para baixo, sem mediações. O governo pode
avançar no terreno, mas terá de reformular seu discurso.
A ideia de reforma política está posta já faz tempo. É um
erro banalizá-la ou combatê-la. O país necessita de outro sistema político, com outras regras, outros vetos e incentivos. Os
democratas não deveriam gastar energia para fazer elogios fáceis ao governo Dilma ou para criticá-lo de modo acerbo. Seu
papel é anunciar as mudanças de que o país necessita. Não
podem ficar em silencio, cada qual em seu canto, assistindo à
desagregação do processo político e sem contribuir para que se
aproveite de forma positiva o momento excepcional em que
está a sociedade.
A eleitoralização do debate – a redução dele ao lengalenga
primitivo de PT vs PSDB – é inimiga dos democratas. Para eles,
o melhor é que o governo Dilma seja capaz de administrar a
II. Depois de junho. Sobre as respostas governamentais
101