A democracia sob ataque | Page 71

Dois sociólogos franceses descreveram esta fase histórica como a época das “ paixões tristes ”. Receio que tenham razão . Nesta dimensão inscrevo a possibilidade de que se divida hoje o maior partido da esquerda europeia por uma questão que corre o risco de não ficar esculpida nos livros de história . Bem sei que existem conflitos mais de fundo , mas para a opinião pública parece até aqui uma questão interna , de procedimentos e ritmos . As diferenças ideais , programáticas , políticas e até sobre questões éticas são legítimas e , para mim , vitais num partido que não pode nunca ter só uma cor nem ser partido pessoal , mas uma comunidade aberta , feita de diferenças , unida por um sentimento comum , por uma esperança comum .
Há muito tempo estou alarmado com a abulia da esquerda diante da mais perturbadora fase de mudança histórica que nossa geração conheceu . Tudo está se revolucionando , o modo de trabalhar , distribuir a riqueza , de saber , de comunicar , o modo de as pessoas estarem em relação . A precariedade se tornou o sinal devastador de existências em suspenso . As tecnologias reduzem o trabalho , e a formação , ainda não transformada em coração social e cultural da esquerda , não prepara para o novo , não educa para um mundo que a própria política parece não compreender nem interpretar . Estamos imersos na mais longa recessão dos últimos dois séculos , o Ocidente está marcado por grande ondas migratórias , as mudanças demográficas estão abalando o welfare . Existe ou não matéria para uma reflexão coletiva de uma esquerda que , em todo o Ocidente , hoje está posta nas margens ? A direita fez tal reflexão , consensualmente , e disso se vêm os sinais . Percebemos que hoje se pronunciam palavras de ódio e discriminação que ontem eram impronunciáveis ? A esquerda tem o dever de se opor a tudo isso , inclusive em termos valorativos . E agora o que mais me interessa há bastante tempo : a democracia hoje está em apuros , parece incapaz de guiar um mundo demasiadamente veloz para suas regras , parece espremida na alternativa entre uma inquietante exigência de simplificação , até autoritária , e o mito da democracia direta .
A democracia não é maná dos céus , foi uma exceção na história humana . Vive se é transparente , se decide , se os controles funcionam . Mas vive também se é capaz de imaginar novas formas de participação e contribuição a partir de baixo que envolvam e responsabilizem todos os cidadãos , subtraindo-os assim à subalterna e exclusiva prática da invectiva . A democracia sobrevive se os governos são estáveis . Observem que pode ser efetivamente
Itália – a esquerda que se divide e a democracia
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