A democracia sob ataque | Page 38

voltar sobre a própria crise , tornando-se componente dela e a impulsionando . As instituições basilares da República funcionam aos trancos , por espasmos , flertando com o improviso .
O “ sangue nos olhos ” contamina a sociedade civil , mina a solidariedade , a moderação e a serenidade . De uma parte estão os que vêm o Ministério Público , o juiz Sergio Moro e a Operação Lava-Jato como fazendo parte de uma articulação golpista contra o PT . De outra parte , os que querem que a justiça seja feita “ custe o que custar ” e castigue implacavelmente os políticos . Entre uma ponta e outra , o mesmo menosprezo pela política como negociação , diálogo e busca de entendimentos . O clima é de exasperação e de má vontade com os tempos longos e complexos da política .
A miséria política instalada na sociedade civil nos ajuda a entender porque , hoje , nada incomoda o governo Temer a não ser suas próprias contradições internas .
Se se tem de fato no país um governo “ ilegítimo ”, como pregam alguns , há que se combatê-lo no plano político , com seus tempos e suas regras . Há que se trabalhar dedicadamente pela mobilização social e pela educação política dos cidadãos , o que não se faz com slogans soltos ao léu , como pipas desgovernadas .
O clima atual , polarizado e vazio de proposições progressistas razoáveis , não beneficia ninguém . As pessoas pensam que , ao agirem como torquemadas vingativos , facilitarão o desgaste do governo , mas o que produzem é precisamente o contrário : agregam as forças governamentais , a classe média e todos aqueles que não aceitam que se faça política “ daquele jeito ”. O clima só ajuda a que as esquerdas e os democratas permaneçam fora do jogo , com a cabeça enfiada na terra , esperneando .
O radicalismo retórico e performático é inimigo do avanço democrático . Não trabalha com a paciência , nem com a serenidade , não busca consensos nem se apoia numa teoria aprofundada . É pura emoção . Tem sido incapaz , no Brasil , de impulsionar a reflexão crítica sobre o processo que levou ao impeachment de Dilma , optando por reduzi-lo à imagem confortável do “ golpe ”.
O ideal seria ir com um pouco mais de calma e foco . A crise institucional é real , mas não se deve exagerar no diagnóstico . Não se está andando para trás . Nunca como nos últimos anos se prendeu tanta gente graúda . A impunidade não está instituída . Ao contrário , regride de forma acelerada . Sabemos que a política precisa ser reformada . Aprendemos que a “ responsabilidade
36 Marco Aurélio Nogueira