Mesmo assim acho que vale a pena contar um episódio dos
tempos de Milton Campos. Mesmo que seja só saudosismo. Foi o
professor Edgar da Mata-Machado que me contou, com a graça e
a sabedoria que marcaram a sua exemplar passagem por este
mundo. Passado tanto tempo, para não aumentar um ponto,
liguei para o jornalista José Bento Teixeira de Sales que não relata
o fato no seu belíssimo livro Milton Campos – uma vocação liberal.
Ele o confirmou e lembrou outros, alertando para o permanente
risco da memória. Os dois, Edgar e José Bento, acompanhavam o
governador nas audiências públicas mensais em que o dr. Milton
falava com os cidadãos que batiam às portas do Palácio da Liber-
dade. Uma imensa fila de pedidos, notícias, convites, reclamações
que o governador ouvia e os secretários anotavam para providên-
cias posteriores. Coisa impensável nos dias de hoje.
Nessa época, um dos filhos do dr. Milton prestava serviço mili-
tar. Obrigação de todo jovem, filho de quem fosse. Um dia, como
costuma acontecer, o jovem acordou mais tarde. Não chegaria a
tempo para a chamada matinal dos recrutas. A punição poderia
ser, entre outras, 24 horas de xadrez. O Exército era rigoroso e o
atraso um ato de indisciplina. O jovem, aflito, apelou para o pai
governador pedindo-lhe que autorizasse o motorista a levá-lo ao
quartel para evitar a punição.
Calmamente, como era do seu feitio, o governador explicou ao
jovem cidadão que o carro oficial (na verdade, chamava-se automó-
vel) só poderia ser usado para atividades do Governador do Estado.
Não era uma propriedade privada, era pública. O pai aconselhou o
filho a levantar-se mais cedo e a assumir as responsabilidades
pelos seus atos e a ser humilde para receber a punição, se houvesse.
Pode parecer romântico, ingênuo, até piegas rememorar fatos
como este. O uso do que é público como propriedade privada
banalizou-se de tal forma que não escandaliza mais ninguém.
Os carros são usados para levar as crianças à escola, os aviões
para ministros gozarem férias em Fernando de Noronha, o nepo-
tismo campeia e os cargos em comissão, preenchidos sem
nenhuma exigência de competência, são moeda de troca pura-
mente eleitoral. Mais grave ainda é a fraude nas licitações, a
remessa ilegal de dólares para o exterior, o uso de informações
secretas para negócios no mercado, a manipulação de índices que
fazem a festa dos especuladores de plantão. E imensas fortunas.
Mesmo que a História não acabe, exemplos como o de Milton
Campos são propositadamente esquecidos e evitados por incon-
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Antônio de Faria Lopes