A crise não parece ter fim PD48 | Page 211

encontrou-o pelo menos duas vezes. A primeira em outubro de 1922, poucos dias antes da Marcha sobre Roma. Temos a ordem do dia do encontro registrada na agenda oficial de Lenin. Falaram de Mussolini, da necessidade de fundir o partido socialista com o comunista, dos problemas do Mezzogiorno italiano. Os últimos dois temas estão ligados ao surgimento de L’Unità e à escolha do nome do jornal. O segundo encontro aconteceu poucos dias depois, com a delegação dos comunistas italianos que chegara em Moscou para participar de um congresso da Internacional. O que espera vá surgir de todos estes encontros pelo octogé- simo aniversário da morte? Aprofundamentos, novos estímulos para os estudos e as inves- tigações. Vontade de reler e reinterpretar. A este propósito, os senhores nunca intervieram no caso de interpretações distorcidas do pensamento de Gramsci? Não temos e não queremos o monopólio da interpretação do pensamento de Gramsci. Nosso primeiro dever é recuperar e tornar acessíveis seus papéis, editar seus escritos, favorecer as investigações, dar apoio aos estudiosos que se esforçam em todo o mundo com traduções e ensaios de caráter científico. Gerimos uma bibliografia internacional que contém mais de vinte mil títu- los em 41 línguas. Quanto aos usos distorcidos de seu pensa- mento, Gramsci é um autor tão lido e citado que, como ocorre com Maquiavel, Hobbes ou Nietzsche, é inevitável que se extrapolem algumas de suas frases ou se enfatizem aspectos de seu pensa- mento em detrimento de outros. É um destino que cabe a todos os clássicos. Algo inevitável. Gramsci não é patrimônio de elites restritas de estudiosos. É patrimônio de bloggers, de jornalistas que se valem cotidianamente de seus escritos, de simples leitores que muitas vezes se aventuram em interpretações temerárias. Às vezes, surpreende-nos a desenvoltura de intérpretes que deveriam ter a competência para evitar grandes disparates. Além disso, continuam a ter peso velhas polêmicas e vulgatas das décadas passadas. Mas, se fôssemos intervir em todas as interpretações extravagantes e infundadas, deveríamos empregar grande parte de nossas energias em réplicas que não nos cabem. Não somos os guardiães do pensamento de Gramsci, mas sim de seus manus- critos. Em termos de custódia, isto nos basta. Oitenta anos depois, um Gramsci para todos 209