A crise não parece ter fim PD48 | Page 204

Ocorre-nos perguntar neste 14 de julho , aniversário da Revolução Francesa , quanto vale hoje a liberdade .
É um valor global e é mais atual do que nunca . Vivemos uma época de grande desordem mundial em que foram recolocados em discussão os princípios fundamentais da democracia . O último exemplo de revolução em nome da liberdade foram as primaveras árabes que agora cancelamos à luz da catástrofe da Síria e de todos os eventos violentos que se seguiram à queda dos regimes . Poderíamos dizer que do final do século XX até o início do século muitas comunidades se movimentaram para reivindicar liberdades . Não houve só 1989 na Europa , houve muitas outras revoluções pacíficas entre os Bálcãs , o sul da África e até o Irã . Houve comunidades inteiras , destituídas de nome , que impuseram à agenda mundial uma exigência de liberdade que vai muito além da tradição eurocêntrica da Revolução Francesa .
A egocêntrica Revolução Francesa .
Digo que os europeus monopolizaram alguns valores , entre os quais a liberdade . A Revolução Francesa foi a revolução política que gerou a modernidade política europeia , o evento genético do nacionalismo ocidental . Agora estamos numa época em que Ocidente e americanismo parecem pertencer ao passado e estão superados , mas uma certa ideia de liberdade e até de igualdade que se podem relacionar à nossa história moderna se globalizaram . Existem muitas revoluções francesas , na frente das quais coloco a primavera árabe .
Mas ela fracassou .
As revoluções podem fracassar , mas seu fracasso também expressa significados importantes , sobretudo em relação à parte do mundo em que se originam . Até diria que justamente porque fracassaram devemos prestar ainda mais atenção . O fantasma das liberdades modernas ainda está entre nós .
E o da igualdade ?
Muito menos . Vivemos num mundo desigual : por uma parte , há o crescimento da riqueza global – mas sou ferozmente contrário a quem acusa a globalização de ser portadora de pobreza – que semeou riquezas no mundo de modo desigual . A China ou a Índia são as novas potências , o Ocidente não controla mais , não influencia mais . A redistribuição dos recursos deslocou o eixo da riqueza do Ocidente para o Oriente , trazendo como danosa consequência que , entre nós , o bem-estar está polarizado nas mãos de poucos e assistimos a um
202 Silvio Pons