A crise não parece ter fim PD48 | Page 198

Drummond de Andrade e do próprio Mario de Andrade, que um dia os sacramentou com uma frase bem ao seu estilo “Também quero ser verdinho que nem vocês”. José Américo de Almeida, que lançaria o seu pioneiríssimo romance A bagaceira, fundador de todo um ciclo, mandava um recado que fazia as vezes de um desa- gravo, “Sonhei com vocês: todo o Brasil espiando pra Cataguases e Cataguases dando as costas a vocês”. Até Tristão de Athayde entrou na briga para prestigiar os “ases de Cataguases”. Mas o nosso narrador não perdeu de vista o seu personagem. Não esqueceu as noites regadas a whisky e cigarros, ouvindo as lições de vida e as confissões do seu guru, emérito bebedor. Rosá- rio era filho de uma mulata lavadeira de roupa com um imigrante italiano, irrompendo daí um grandalhão de um metro e oitenta de altura, cara de mexicano, com bigodes e tudo, a la Zapata, vozei- rão e língua afiada. Órfão mal nascera, na adolescência fez de tudo: foi servente de pedreiro, pintor de tabuletas, aprendiz de latoeiro e prático de farmácia. Um dia, depois de muitas peripécias literárias, inclusive a de conferencista na Sorbonne, com peças encenadas até nos EUA, e de ver o seu romance O agressor traduzido e editado pela Monda- dori – com um prefácio em que era comparado a Kafka e Joyce – viu-se metido num smoking e nos braços de Grace Kelly, rodo- piando num baile de gala no hotel Quitandinha. Irreverente toda vida, confessou a Werneck que “o sovaco da princesa fedia pacas”. No mesmo baile, enquanto fazia a corte à grande estrela, era assediado por Orson Welles, que lhe propôs e comprou os direitos de filmagem de L’Agressore, que jamais foi rodado. Como um personagem de cinema, ou de cordel estrambótico, sua vida é uma perfeita rapsódia. Casou-se cinco vezes com a mesma mulher, Annie, uma francesa que só podia ser a encarnação da nossa Amélia, que “era mulher de verdade”. Doutor em ironia, às vezes doce, às vezes agressiva, Fusco era um tipo fascinante com histó- rias do arco da velha de inexcedível sabor. Fiel a esse portento e às suas lembranças, o autor, que já nos dera um retrato de corpo inteiro de Humberto Mauro, o mestre do cinema nacional, nos oferece de mão beijada uma saga individual que pode fazer as delícias de qualquer leitor, seja ele um principiante em Rosário Fusco, seja um leitor ou intelectual que já conheça a obra literária e a história dessa inolvidável figura humana. Sobre a obra: Sob o signo do imprevisto – Rosário Fusco, de Ronaldo Werneck, 127p., Poemação. 196 Vladimir Carvalho