Drummond de Andrade e do próprio Mario de Andrade, que um
dia os sacramentou com uma frase bem ao seu estilo “Também
quero ser verdinho que nem vocês”. José Américo de Almeida, que
lançaria o seu pioneiríssimo romance A bagaceira, fundador de
todo um ciclo, mandava um recado que fazia as vezes de um desa-
gravo, “Sonhei com vocês: todo o Brasil espiando pra Cataguases e
Cataguases dando as costas a vocês”. Até Tristão de Athayde
entrou na briga para prestigiar os “ases de Cataguases”.
Mas o nosso narrador não perdeu de vista o seu personagem.
Não esqueceu as noites regadas a whisky e cigarros, ouvindo as
lições de vida e as confissões do seu guru, emérito bebedor. Rosá-
rio era filho de uma mulata lavadeira de roupa com um imigrante
italiano, irrompendo daí um grandalhão de um metro e oitenta de
altura, cara de mexicano, com bigodes e tudo, a la Zapata, vozei-
rão e língua afiada. Órfão mal nascera, na adolescência fez de
tudo: foi servente de pedreiro, pintor de tabuletas, aprendiz de
latoeiro e prático de farmácia.
Um dia, depois de muitas peripécias literárias, inclusive a de
conferencista na Sorbonne, com peças encenadas até nos EUA, e
de ver o seu romance O agressor traduzido e editado pela Monda-
dori – com um prefácio em que era comparado a Kafka e Joyce –
viu-se metido num smoking e nos braços de Grace Kelly, rodo-
piando num baile de gala no hotel Quitandinha. Irreverente toda
vida, confessou a Werneck que “o sovaco da princesa fedia pacas”.
No mesmo baile, enquanto fazia a corte à grande estrela, era
assediado por Orson Welles, que lhe propôs e comprou os direitos
de filmagem de L’Agressore, que jamais foi rodado. Como um
personagem de cinema, ou de cordel estrambótico, sua vida é
uma perfeita rapsódia. Casou-se cinco vezes com a mesma mulher,
Annie, uma francesa que só podia ser a encarnação da nossa
Amélia, que “era mulher de verdade”. Doutor em ironia, às vezes
doce, às vezes agressiva, Fusco era um tipo fascinante com histó-
rias do arco da velha de inexcedível sabor.
Fiel a esse portento e às suas lembranças, o autor, que já nos
dera um retrato de corpo inteiro de Humberto Mauro, o mestre do
cinema nacional, nos oferece de mão beijada uma saga individual
que pode fazer as delícias de qualquer leitor, seja ele um principiante
em Rosário Fusco, seja um leitor ou intelectual que já conheça a
obra literária e a história dessa inolvidável figura humana.
Sobre a obra: Sob o signo do imprevisto – Rosário Fusco, de
Ronaldo Werneck, 127p., Poemação.
196
Vladimir Carvalho