jogo do poder que lhes parecia inalcançável após as últimas elei-
ções municipais e delações das primeiras semanas de maio último
meio agosto.
Na contramão desse coro excêntrico, persuade-me a ideia de
que o virtual fim do governo parlamentar, se realizado, expres-
sará uma derrota da política. Como tal representará, para além
da queda de um governo impopular, um obstáculo à reconstrução
do centro político democrático, obra complexa que seguia curso
sinuoso desde o ano passado, após sua destruição durante a
guerra pelo controle do Estado, travada a partir da eleição presi-
dencial de 2014.
Tornou-se lugar comum dizer que a sociedade brasileira está
dividida de modo radical entre duas posições políticas, como
numa disputa entre torcidas fanáticas. Para alguns mais ligados
em jargões teórico-políticos, é direita x esquerda, elite x povo ou
neoliberalismo x política social. Em redes sociais há traduções
ainda mais simplórias dessa narrativa, como confronto indigesto
entre “coxinhas” e “mortadelas”, ou duelo pessoal entre Moro e
Lula. Estes modos de exprimir a mesma coisa refletem um “modo
de pensar” de claques mais ou menos organizadas e de pessoas
fidelizadas por algum tipo de dogma, carisma, ou tabu. Identifi-
car isso com a percepção do povo, ou mesmo do eleitorado é, no
mínimo, um exagero e, no fundo, uma mistificação. Quem usa de
boa vontade para olhar e escutar além do seu redor, de prudência
para avaliar o que vê e ouve e de autonomia para pensar com a
própria cabeça repara que enquanto as brigas de torcida se acir-
ram, mais pessoas “comuns” delas tomam distância e anseiam
por uma solução conciliadora da crise política. Este tipo de saída
permite tratar de problemas públicos sem comprometer, como se
tem feito, relações profissionais, de vizinhança e amizade e até o
convívio em ambientes familiares. A recusa ao espírito de claque
não é uma atitude política “alienada”. Compartilham-na pessoas
que possuem variados níveis de instrução formal, informação e
compromisso político. Penso que é o terreno social sobre o qual se
pode reconstruir um centro democrático no Brasil.
Ocorre que há uma representação do modo maniqueísta de
pensar o momento político que, ao contrário das que listei acima,
parece ter mais conexão com a percepção das pessoas comuns: a
luta do “Santo Guerreiro” (a Lava-Jato) contra o “Dragão da
Maldade”, o sistema político. Ela sugere que estaríamos no limiar
de uma vitória do bem, com a submissão da imperfeita democra-
cia mundana e dos seus malditos corpos representativos a desíg-
Interrogações sobre o fator Janot e o desfecho do governo Temer
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