A crise não parece ter fim PD48 | Page 183

chegar a uma conclusão como essa. Seja como for, em uma época em que a extrema-direita, os fascistas, e a esquerda anacrônica se nivelam sob o manto comum do ultranacionalismo, do popu- lismo e do autoritarismo convém refletir sobre isso. • As classes dominantes temem a aliança dos intelectuais com as classes subalternas por um motivo: elas mesmas fizeram essa aliança, no quadro das diversas revoluções burguesas. Daí terem pleno conhecimento de que o mundo material – aquele da produ- ção e da circulação das mercadorias – não se mantém de pé sem o mundo espiritual – aquele da elaboração e da aplicação das ideias e das teorias. • "Batuque é um privilégio / Ninguém aprende samba no colé- gio". Estes versos de Noel Rosa revelam com a acuidade própria do grande compositor carioca que as vias de acesso à criação e à cultura não são necessariamente as mais tradicionais. Hoje em dia, com o entrelaçamento cada vez maior entre educação, cultura e comunicação, Noel Rosa teria ainda mais razão. Aí estão a inter- net, os cursos livres, o movimento editorial, as exposições reve- lando que há todo um conjunto de saberes que vai além do sistema educativo tradicional. Se isso não é democratização do conheci- mento, então não sei o que é. Na verdade, o aprendizado por conta própria é uma realidade cada vez mais presente no mundo de hoje. Os caminhos que levam ao conhecimento são mais plurais do que normalmente imaginamos. • Os nômades da Mauritânia se deslocavam pelo deserto carre- gando no dorso dos dromedários cerca de três mil manuscritos, os quais compunham uma formidável biblioteca itinerante. Qual a lição que se pode extrair disso? Que o homem sabe muito bem o quanto é necessário acumular e armazenar para poder depois então transmitir. • O que rege as sociedades sem classes, ditas primitivas, segundo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, são as estruturas de parentesco e as divisões por idade e sexo. Pois bem, a pergunta é: o fato de algumas dessas questões – e poderíamos citar aquelas que envolvem os gêneros e mesmo os chamados conflitos entre as gerações – se alinharem entre as nossas preocupações mais prementes não estaria revelando também, à sua maneira, um início de ultrapassagem das estruturas de classes em nossas sociedades ditas evoluídas? Ou pelo menos a uma redução do peso dos embates entre as classes no mundo contemporâneo, sob a égide das mudanças que se operam na base material das socie- Notas Culturais II 181