• Na cultura – como no pensamento e na vida em geral – se
tivermos de escolher entre a ortodoxia e a realidade, é melhor
apostar nesta última. Afinal, o método, qualquer método, é apenas
um instrumento de aproximação ao real, com maior ou menor
grau de sofisticação. E ele está sempre subordinado à realidade
objetiva. É por isso que, por ocasião de um debate de ideias, se a
força dos argumentos não se demonstrar suficiente para fazer
com que um dos de batedores reconheça seus equívocos, é de bom
alvitre não insistir muito. A própria realidade se encarregará de
desempatar mais tarde a questão. A última palavra é sempre dela.
Eis aí algo que um certo marxismo de funcionário público, de
corte academicista e pseudorradical, tem dificuldade em aceitar.
• Os que condenam a indústria cultural por ser uma indústria,
deveriam, por uma questão de coerência, estender a sua combati-
vidade – se é que este é o termo exato – a outras setores da ativi-
dade fabril, como a produção de armamentos. Ou será que, no
fundo é a cultura que de fato incomoda? Não haverá aí um ranço
aristocrático? O fato é que a indústria cultural contribui de forma
decisiva para a democratização dos bens culturais, além de promo-
ver o encontro entre a esfera erudita e a esfera popular. Na verdade,
ela é o ponto de intersecção entre esses dois campos. A impressão
que dá é que alguns se sentem perturbados ou ameaçados por essa
democratização e querem continuar fazendo da cultura um mono-
pólio seu, dos especialistas. Em vão, naturalmente.
• Há uma nova época se formando diante de nós,semelhante a
um Renascimento. Ela é composta pelo desejo de democracia e de
autonomia por parte das pessoas, por sede de justiça, pelo avanço
extraordinário das pesquisas científicas, pelo aumento da cons-
ciência ecológica, pelas formidáveis transformações que ocorrem
no aparato produtivo, apontando para uma automação cada vez
maior e criando assim a base material para a sociedade sem clas-
ses. Muitas das dificuldades e incertezas atuais são próprias de
um período de transição – o que não deve escamotear o que de
positivo existe no mundo hoje.
• Ideias antes consideradas conservadoras podem contribuir
para alavancar as transformações sociais. E ideias antes conside-
radas progressistas podem perfeitamente bloquear essas mesmas
transformações. Como tudo na vida, as ideias – culturais, políti-
cas – vão variar historicamente. Eu me recordo do saudoso diri-
gente comunista Armênio Guedes dizendo que o conceito de
esquerda não era fixo. De fato, o que era esquerda lá atrás pode
não ser mais hoje. É preciso muita lucidez e experiência para se
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Ivan Alves Filho