A crise não parece ter fim PD48 | Page 182

• Na cultura – como no pensamento e na vida em geral – se tivermos de escolher entre a ortodoxia e a realidade, é melhor apostar nesta última. Afinal, o método, qualquer método, é apenas um instrumento de aproximação ao real, com maior ou menor grau de sofisticação. E ele está sempre subordinado à realidade objetiva. É por isso que, por ocasião de um debate de ideias, se a força dos argumentos não se demonstrar suficiente para fazer com que um dos de batedores reconheça seus equívocos, é de bom alvitre não insistir muito. A própria realidade se encarregará de desempatar mais tarde a questão. A última palavra é sempre dela. Eis aí algo que um certo marxismo de funcionário público, de corte academicista e pseudorradical, tem dificuldade em aceitar. • Os que condenam a indústria cultural por ser uma indústria, deveriam, por uma questão de coerência, estender a sua combati- vidade – se é que este é o termo exato – a outras setores da ativi- dade fabril, como a produção de armamentos. Ou será que, no fundo é a cultura que de fato incomoda? Não haverá aí um ranço aristocrático? O fato é que a indústria cultural contribui de forma decisiva para a democratização dos bens culturais, além de promo- ver o encontro entre a esfera erudita e a esfera popular. Na verdade, ela é o ponto de intersecção entre esses dois campos. A impressão que dá é que alguns se sentem perturbados ou ameaçados por essa democratização e querem continuar fazendo da cultura um mono- pólio seu, dos especialistas. Em vão, naturalmente. • Há uma nova época se formando diante de nós,semelhante a um Renascimento. Ela é composta pelo desejo de democracia e de autonomia por parte das pessoas, por sede de justiça, pelo avanço extraordinário das pesquisas científicas, pelo aumento da cons- ciência ecológica, pelas formidáveis transformações que ocorrem no aparato produtivo, apontando para uma automação cada vez maior e criando assim a base material para a sociedade sem clas- ses. Muitas das dificuldades e incertezas atuais são próprias de um período de transição – o que não deve escamotear o que de positivo existe no mundo hoje. • Ideias antes consideradas conservadoras podem contribuir para alavancar as transformações sociais. E ideias antes conside- radas progressistas podem perfeitamente bloquear essas mesmas transformações. Como tudo na vida, as ideias – culturais, políti- cas – vão variar historicamente. Eu me recordo do saudoso diri- gente comunista Armênio Guedes dizendo que o conceito de esquerda não era fixo. De fato, o que era esquerda lá atrás pode não ser mais hoje. É preciso muita lucidez e experiência para se 180 Ivan Alves Filho