Na véspera do aniversário, houve mais uma leva de expurgos
e prisões, sob a alegação de que, para proteger a democracia que
o povo defendeu contra o golpe, é preciso retirar gulenistas de
posições de influência na administração. Um decreto publicado
nos termos do Estado de Emergência que prevalece há um ano
(agora prorrogado) demitiu mais de sete mil policiais, soldados e
funcionários dos ministérios, conforme anunciou a imprensa
oficial. Dentre eles, 302 acadêmicos das universidades. Além
disso, foi retirada a patente de 342 militares aposentados.
Neste ano, desde o golpe fracassado, já foram presas 50 mil
pessoas e mais de 100 mil demitidas. No Judiciário assoberbado
de ações e pressionado pelo Executivo para instalar fieis a Erdo-
gan, mais de 5 mil magistrados foram destituídos (segundo um
advogado que participava da recente “Marcha por Justiça” do
Partido Popular Republicano-CHP). O exército turco, o segundo
maior da Otan, foi enfraquecido pela destituição de 150 generais,
antes do último decreto.
As medidas para silenciar a imprensa são ainda mais graves,
pois levam a que tudo o mais fique oculto ou apareça apenas
como narrativa de Erdogan e seu Partido Justiça e Desenvolvi-
mento AKP. Pelo menos 150 jornalistas foram presos no último
ano, e mais de 120 permanecem presos, sem contar os demitidos
por um simples telefonema da Presidência (como foi o caso da
colunista Ece Temelkuran, demitida do jornal Milliyet, após criti-
car o governo turco). 2
As fontes também podem parar na cadeia: um mês antes das
comemorações, um deputado do CHP, o maior partido de oposição,
Enis Berberoglu, foi condenado a 25 anos de prisão por entregar a
um jornal um vídeo do fornecimento ilegal de armas a grupos isla-
mistas sírios pela Turquia. O Partido Popular Democrático (HDP),
pró-curdo, o terceiro maior no Parlamento, é o partido com mais
vítimas: seu presidente Selahattin Demirtas, 11 de seus deputa-
dos, uma centena de prefeitos de cidades curdas e milhares de seus
membros estão presos, sob a acusação de terrorismo.
Apesar de estimativas de diplomatas europeus de que um
milhão de pessoas podem estar direta ou indiretamente
afetadas pelos expurgos, por perda de renda, de domicílio e
perda de proteção para si e a família, o governo Erdogan não
2 Ece Temelkuran, Turkey: The Insane and the Melancholy. Zed Books, Londres
2016. Esta colunista política e romancista mostra que as tendências autocráticas
na Turquia têm raízes históricas longínquas, desde a queda do Império Otomano.
Turquia: vitória democrática é pretexto para ditadura
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