A crise não parece ter fim PD48 | Page 123

Nessas pesquisas, os registros oficiais procuram, moderna- mente, obedecer ao sistema de autoclassificação, no qual o entre- vistado se identifica dentro das seguintes categorias: branco, preto, amarelo, pardo e indígena. Já os movimentos pelos direitos civis dos afrodescendentes recusam as classificações de “preto” e “pardo”, procurando unificar suas reivindicações dentro da polí- tica e ampla classificação “negro”. O senso comum, entretanto, usa um leque que vai do “branco” ao “preto”, os quais, contabili- zados no recenseamento de 1980, somaram 137 termos. Essas divergências, de certa forma, reproduzem os critérios “raciais” de há muito vigentes no Brasil. E por força delas, os cori- feus da “mestiçagem”, como os velhos adeptos do branqueamento, acabam por minimizar a participação da afrodescendência na composição da população nacional. Mas aí entra em cena o fator cultural, apontando os inegáveis e múltiplos aportes de civilização trazidos pelos africanos de diversas procedências à diversidade brasileira. Pois foram esses aportes que moldaram a cultura afro-originada no Brasil, a qual se manifesta em variadas formas de conhecimento, religiosidade, arte e lazer. As religiões de matriz africana (e até mesmo o catolicismo popular) representam um dos pilares sobre os quais se assenta a identidade afrobrasileira. Em seu ambiente foi que floresceram, por exemplo: boa parte do que é hoje a rica música popular (não necessariamente a de consumo massificado) do país; a culinária; a medicina empírica; as técnicas de trabalho etc.; e até mesmo importantes contribuições ao léxico do português brasileiro. Sobre a música, informe-se que a bossa-nova, um dos mais valiosos itens de exportação da moderna cultura brasileira, nada mais é que um estilo de composição e interpretação do samba, gênero desenvolvido no Brasil a partir das mesmas matrizes afri- canas que deram origem a gêneros musicais afrolatinos das Américas, como o tango, a rumba, o mambo etc. Sem que esque- çamos da capoeira, modalidade atlética nascida da resistência escrava no Brasil, a qual, com sua ginga, acabou por transformar o futebol em arte; arte essa que, misto de luta e dança, hoje – como uma eloquente metáfora – é conhecida e praticada em todo o planeta. E isto – finalizamos – apesar dos efeitos contrários daquela outra espécie de globalização (“expansão sem limites das corporações transnacionais na economia mundial”, cf. Enciclopé- dia do Terceiro Mundo, 2000), que faz com que o Brasil venha, dia a dia, se tornando, cada vez mais, um país de identidade confusa. Brasil, a real identidade do “país dos imigrantes” 121