Nessas pesquisas, os registros oficiais procuram, moderna-
mente, obedecer ao sistema de autoclassificação, no qual o entre-
vistado se identifica dentro das seguintes categorias: branco,
preto, amarelo, pardo e indígena. Já os movimentos pelos direitos
civis dos afrodescendentes recusam as classificações de “preto” e
“pardo”, procurando unificar suas reivindicações dentro da polí-
tica e ampla classificação “negro”. O senso comum, entretanto,
usa um leque que vai do “branco” ao “preto”, os quais, contabili-
zados no recenseamento de 1980, somaram 137 termos.
Essas divergências, de certa forma, reproduzem os critérios
“raciais” de há muito vigentes no Brasil. E por força delas, os cori-
feus da “mestiçagem”, como os velhos adeptos do branqueamento,
acabam por minimizar a participação da afrodescendência na
composição da população nacional.
Mas aí entra em cena o fator cultural, apontando os inegáveis e
múltiplos aportes de civilização trazidos pelos africanos de diversas
procedências à diversidade brasileira. Pois foram esses aportes que
moldaram a cultura afro-originada no Brasil, a qual se manifesta
em variadas formas de conhecimento, religiosidade, arte e lazer.
As religiões de matriz africana (e até mesmo o catolicismo
popular) representam um dos pilares sobre os quais se assenta a
identidade afrobrasileira. Em seu ambiente foi que floresceram,
por exemplo: boa parte do que é hoje a rica música popular (não
necessariamente a de consumo massificado) do país; a culinária;
a medicina empírica; as técnicas de trabalho etc.; e até mesmo
importantes contribuições ao léxico do português brasileiro.
Sobre a música, informe-se que a bossa-nova, um dos mais
valiosos itens de exportação da moderna cultura brasileira, nada
mais é que um estilo de composição e interpretação do samba,
gênero desenvolvido no Brasil a partir das mesmas matrizes afri-
canas que deram origem a gêneros musicais afrolatinos das
Américas, como o tango, a rumba, o mambo etc. Sem que esque-
çamos da capoeira, modalidade atlética nascida da resistência
escrava no Brasil, a qual, com sua ginga, acabou por transformar
o futebol em arte; arte essa que, misto de luta e dança, hoje –
como uma eloquente metáfora – é conhecida e praticada em todo
o planeta. E isto – finalizamos – apesar dos efeitos contrários
daquela outra espécie de globalização (“expansão sem limites das
corporações transnacionais na economia mundial”, cf. Enciclopé-
dia do Terceiro Mundo, 2000), que faz com que o Brasil venha, dia
a dia, se tornando, cada vez mais, um país de identidade confusa.
Brasil, a real identidade do “país dos imigrantes”
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