A crise não parece ter fim PD48 | Page 118

continente africano. O comércio negreiro criava e estreitava laços não só econômicos como políticos, vindo daí a influência do Brasil em determinadas partes do território africano, notadamente em Angola. Em 1648, por exemplo, forças brasileiras desempenha- ram importante papel na libertação daquele país do domínio holandês; e em l822, quando da independência brasileira, chegou- se a cogitar de manter Angola e Brasil unidos. Além de Angola, o Brasil manteve fortes ligações com Moçam- bique, Congo e algumas unidades políticas do golfo da Guiné. Dessas relações, resultaram visitas, na época colonial, de diver- sas missões diplomáticas africanas ao Brasil. No sentido inverso, o retorno de diversos contingentes de africanos ao continente de origem, no contexto do fim do escravismo, marcou a cultura de países como os atuais Benin, Nigéria, Gana etc. Observe-se que o tráfico atlântico levou para o Brasil, da primeira metade do século XVI a meados do XIX, cerca de 5 milhões de indivíduos, provenientes de diversos mercados africanos. Nesse vasto período, segundo cifras do projeto The Trans-Atlantic Slave Trade database (disponíveis na internet), entre os sobreviventes dos 12,5 milhões de indivíduos exportados da África na condição de escravos, 45,41% foram desembarcados no litoral brasileiro. Segundo a tradição historiográfica, esse quadro costuma ser estudado em ciclos – da Guiné, da Costa da Mina, de Angola, da Contracosta, enfatizando-se, neles, o predomínio de uma ou outra dessas regiões em determinado momento histórico. Nos séculos XVI e XVII, por exemplo, alguns dos principais portos de embarque eram Gorée, no Senegal; Cacheu, na atual Guiné-Bissau; Ajudá, no atual Benin; Old Calabar, na Nigéria; Loango e Luanda, em Angola. Entretanto, para estabelecer as origens dos africanos trazidos para o Brasil, mais produtivo talvez seja examinar as áreas de influência portuguesa, como as ilhas de Cabo Verde e São Tomé, as fortalezas e entrepostos de Arguim (de onde certamente saíram mandingas, uolofes, fulânis etc.), São Jorge da Mina e Ajudá (axantis, fantis, iorubás, ewefons etc.); além de Cabinda, Luanda, Benguela e Moçambique, de onde foi tirada a massa de escravos bantos predominante em boa parte do território brasileiro. A partir dessas áreas, a aliança entre traficantes e colonizado- res portugueses incrementou de tal forma a exploração escravista de mão de obra africana que, já no início do século XVII, o Brasil ostentava a posição de maior mercado consumidor de escravos 116 Nei Lopes