A Capitolina 8, agosto 2014 | Page 11

Escrituras 10

A chamada “Tradição Esotérica Ocidental” (Western Esotericism Tradition) é um recente campo de pesquisa acadêmica, porém esta “tradição” não é nada nova, nem mesmo uma moda moderna, nem pretende ser uma reação ao cientificismo ou ao empirismo. Para que possamos entender o que se designa por tal nome precisamos, antes de tudo, definir o que vêm a ser tradição e ocidental, além de esotérico e esoterismo.

Antes o esoterismo era estudado como pertencente a assuntos teológicos; entretanto, com o estudo sistemático e a adoção de métodos apropriados – e contando com publicações sérias sobre o assunto – passou a designar um campo de pesquisa autônomo (o “ismo”) com sua própria abordagem. Mas porque deveríamos estudar a “Tradição Esotérica Ocidental” (TEO)?

Aquilo que chamamos “ocidente” refere-se a todo o conjunto greco-latino e judaico-cristão, ambos “visitados pelo islamismo” na antiguidade e medievo (FAIVRE, 1994, p.12). Em filosofia a questão envolvendo o ocidente sempre suscitou a relação de antagonismo entre ocidente e oriente. Não somente geográfica, mas, sobretudo, baseada em visões de mundo e contraposições culturais, os partidários do que ficou conhecido como “milagre grego” e os chamados “orientalistas” criaram uma dicotomia envolvendo as duas metades do mundo. Diferentes interpretações foram dadas para justificá-la e podemos distinguir duas: A primeira atribui um valor negativo ao oriente e positivo ao ocidente, pois o oriente seria um “ainda-não do ocidente”, atrasado, despótico, comunitário e religioso, enquanto o ocidente seria o desenvolvido, livre, societário, secularizado. A segunda atribui um valor negativo ao ocidente e positivo ao oriente, para eles, o oriente é o lugar por excelência da sabedoria, da espiritualidade, enquanto o ocidente é o deserto do materialismo, do cientificismo, do pragmatismo tecnológico, etc. (ABBAGNANO, 2007).

A chamada “Tradição Esotérica Ocidental” compreende, segundo Faivre, o mundo latino a partir do final séc. XV, o Renascimento e o resgate de correntes filosóficas e religiosas helenísticas tais como o gnosticismo, o hermetismo, neopitagorismo, estoicismo (FAIVRE, idem p.12), como também o neoplatonismo, a cabala e a alquimia.

Nomes como Marcílio Ficino e Pico della Mirandola estão intimamente envolvidos tanto com o ressurgimento das filosofias pagãs, como do intercambiamento entre elas. Com Pico della Mirandola vemos a complementaridade entre a cabala, o cristianismo e o hermetismo alexandrino, e com Ficino a tradução da Hermetica, atribuída a Hermes Trismegisto.

É no Renascimento que surge a ideia – recorrente no esoterismo – da unidade ou consonância entre as doutrinas, o que evoca a ideia da philosophia perennis: autores que trariam no âmago de suas doutrinas origens comuns, embora expressas de diferentes maneiras, porém conciliáveis entre si. A esta “perenidade” alguns autores desde o séc. XIX chamam de “Tradição”.

No contexto do pensamento esotérico, a noção de Tradição remete a uma ideia que surge de uma Tradição espiritualmente superior que perdura desde os inícios do pensamento até hoje por meio de inspiração divina ou grupos iniciáticos (HANEGRAFF, 2006, p.1125) (cf. philosophia perennis, prisca theologia).

A abordagem hermenêutica pretendida neste trabalho propõe traçar a história do conceito de esoterismo e seu uso, compreendendo sua “via crucis”, seu julgamento, condenação e resgate. O sentido que nós e os autores clássicos (o apoio da tradição documental) atribuímos ao termo será a medida e a base para a compreensão, ao menos provisória por não se pressupor definitiva, de nosso objeto de estudo. A parte do método próprio ao esoterismo ocidental trata-se de um esboço para futuras abordagens desde “dentro”, e consequentemente, melhor compreensão dos temas pertencentes à Tradição e a complexidade que requer mais aprofundamentos em sua abordagem.

INTRODUÇÃO: O Esoterismo Ocidental