A Capitolina 6, junho 2014 | Page 27

Problemas Crônicos 26

Vorazes e tantas outras obras que tratam de sujeitos como eles: crianças e jovens “especiais”, “os escolhidos”, como os adolescentes costumam narcisicamente enxergar-se, numa viagem de aventuras e descobertas. Isso suscita outra pergunta: O importante mesmo é ler, independente daquilo que se lê? Ou o que vale é cumprir com a modorrenta obrigação de ler-se os clássicos da “literatura universal”?

Acredito seja mister dar-se à obrigação sim e meter-se por entre a selva dos Peris e as naus dos Odisseus. Mas o prazer em ler deve geminar suas sementes antes dessa planta grande e folhuda produzir seus frutos. Por isso faz-se necessário ler o que se gosta, o que se tem vontade. Este é um bom treino da mente leitora. Estabelece-se a intimidade com as palavras, desfaz-se a estranheza com a extravagante língua portuguesa (no caso do Brasil). Como é sabido de muitos, nossa amada língua mãe não é em nada dócil ou facilmente domesticável. Pelo contrário, algumas das estruturas gramaticais mais complexas pululam no seio da Norma Culta da língua portuguesa, se comparada a outras línguas, como o inglês, por exemplo. Acentos agudos para lá, circunflexos para cá; não, aí não se põe crase! Mas há exceções, muitas exceções: exceções com “ex”, exceções sem “ex”. Meta “ss” e já não é mais “exceção” e tornasse “cessão”, que é com “c”; substitua o “c” por “s” e têm-se “sessão”, período de tempo em que se realiza uma atividade. Isso só para pintar um leve esboço do quanto árida pode ser a língua com a qual nos comunicamos.

Naturalmente, há a fase do aprendizado e há a fase de exercer o dever. Do contrário, seria como obrigar crianças a cumprirem com as sofríveis e laboriosas obrigações adultas, antes de serem crianças e se darem àquilo que lhes dão na telha. Portanto, ao menos em seu período de formação, ler é brincar e brincar é aprender a ser grande. Por esta lhes digo: brinquem leitores, brinquem.