A Capitolina 6, junho 2014 | Page 22

Por Mônica Venturini

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o fim de Harry Potter e o Cálice de Fogo, Dumbledore diz ao protagonista algo mais ou menos assim: “chegou a hora de escolher entre o caminho certo e o caminho fácil”. Também eu pude ouvir esse conselho de Dumbledore ecoando em meus ouvidos quando chegou o momento de escolher o que pesquisar na minha investigação científica. Qual era o caminho certo para mim? Eu já sabia que seria algo na área das Letras Clássicas, pois meu amor pelo latim vinha desde a primeira aula da primeira semana de graduação. Contudo nenhum autor clássico havia me seduzido o suficiente para firmar o sério compromisso da pesquisa. É que havia uma perguntinha coçando no fundo da minha cabeça, uma curiosidade que persistia desde a infância e que, logo descobri, não era curiosidade exclusivamente minha quando um aluno disse em voz alta a questão que eu calava: “professora, você sabe qual é a língua dos feitiços do Harry Potter? Ouvi dizer que é latim... É verdade?”. A luz se acendeu sobre a cabeça. Eureca! Por que não dedicar uma pesquisa aos feitiços de Harry Potter? Por que não estudar Harry Potter? Pesquisar uma série pela qual eu era apaixonada desde criança com certeza seria a melhor maneira de começar minha caminhada na vida acadêmica. Porém, Dumbledore já havia me alertado: o caminho certo não é o caminho fácil. Enfrentar os preconceitos da academia, tão ligada a um único cânone, foi um desafio digno de Torneio Tribruxo. Sabemos que, na verdade, pouco a pouco as coisas estão mudando e as portas estão se abrindo. “Mas Harry Potter? Ah, isso é ir longe demais!” As línguas estalavam demonstrando reprovação. As sobrancelhas franziam com a dúvida: “o que há de acadêmico em Harry Potter? É só um best-seller pra crianças!”.

Apesar dos olhares desconfiados , tive a alegria e a sorte de encontrar uma orientadora tão apaixonada e curiosa quanto eu e que me ajudou a fazer as perguntas certas. E engana-se quem acha que estudar Harry Potter foi fácil, superficial, bobo. Tive que ir além dos limites das Letras Clássicas, molhar os pezinhos nos mares da Antropologia e respirar os ares da Filosofia da Linguagem. Alguém pode perguntar: qual é a necessidade de tudo isso para estudar um livrinho de cultura pop? E eu respondo: a beleza do objeto de estudo está nos olhos de quem pesquisa. O que importa mesmo é a pergunta e a maneira como se busca a resposta. Há muito para se pesquisar além do cânone – assim como há muitas novidades para se pesquisar com esse mesmo cânone. Há muito para conhecer além dos limites dos preconceitos sisudos da academia. Estudar os feitiços de Harry Potter me fez conhecer tantas teorias interessantíssimas de autores canônicos dos quais eu nunca tinha ouvido falar. Essa pesquisa me abriu portas e, principalmente, me abriu os olhos. Mostrou-me que existe, sim, espaço na universidade para pesquisar obras que interessam o público mais jovem que mal sabe da existência da pesquisa científica.

Pois, para mim, o melhor resultado foi despertar a curiosidade naqueles que, como eu, cresceram lendo a série Harry Potter. Quantos adolescentes para os quais tive o prazer de apresentar minha pesquisa ficaram animadíssimos para aprender latim! Quase sem querer, construí uma ponte entre dois universos muito distintos. Talvez, a partir desse interesse, daqui algum tempo eles estejam lendo Horácio, Catulo ou Virgílio e assim aumentem seu próprio cânone com obras estranhas a eles. Da mesma forma é possível aumentar o nosso cânone com obras estranhas à academia. E foi essa a minha principal conclusão, como educadora e pesquisadora: dar uma chance à literatura infanto-juvenil dentro da academia é construir pontes. Não podemos produzir conhecimento apenas para nós mesmos, fechados em salas de aula, departamentos ou congressos. O conhecimento deve sempre ultrapassar os limites da universidade e se tornar acessível àqueles que, no futuro, poderão construir novas pontes com sua curiosidade.

Quando

Harry Potter

foi à

universidade