A Capitolina 5, maio 2014 | Page 24

por Rodrigo Zafra Toffolo

Gritos e Sussuros

mini conto

23 A Capitolina

Acordo assustada no meio da madrugada. As recordações sobre o desaparecimento de meu pai esvanecem, mas resta uma sensação amarga em minha alma. Mamãe não tarda à entrar no quarto e desferir um sonoro tapa – mais um deles – em meu rosto, como punição pelo grito que lancei ao ar.

Quando ela bate a porta, levanto-me e abro a janela. A chuva cai torrencialmente. Mesmo com o breu causado pelas lamparinas que se apagaram, vejo um jovem deixar para trás o coche atrelado ao cavalo na estrada de terra enlameada e vir em direção à casa. Ele para e me olha – será, finalmente? –, então fecho a janela rapidamente, tentando segurar meu coração dentro do peito.

A campainha toca, trazendo consigo uma estrondosa trovoada. Agito-me mais do que nunca antes havia me permitido. Ouço o som de passos se afastar pela escada, e o falatório entre mamãe e Setembrina.

Abro a porta do quarto sem fazer barulho, e espreito-os. Ele veio! Frederico, meu amado primo! A alegria me faz esquecer da prudência, e desço as escadas estrondosamente. Mamãe me intercepta, segurando meu braço com força. Conduz-me com rispidez de volta ao quarto, trancando-me, não sem antes recordar as regras de como uma verdadeira dama da sociedade deve se portar.

Colo a orelha junto à parede, ouvindo os sons do quarto ao lado, onde Frederico costuma se instalar. Lá fora a chuva se dissipa, e uma brisa abafada invade o ambiente, fazendo com que minha camisola encharque de suor.

A tampa do sótão se abre, e Frederico desce sobre o armário; depois, vem em minha direção. Acaricia meus cabelos, me dá um beijo no rosto e fala sussurrando:

Pronta?

Esperei deveras por esse momento, sabes disso. Mas tenho medo.

Temos o que mais importa nesta vida. E posso dar-te tudo que desejas...

Não é por ti. Sabes que te amo. É por...

Esta casa. Tua mãe. O passado...

Olho-o com ternura. Ele desvia o olhar, pensativo. Levanta-se.

Falarei com ela.

Não acreditas em mim quando te digo?

Então, quero me arriscar.

Por Deus, eu não poderia suportar as consequências.

Já me decidi. Não há volta.

A porta do quarto se abre com estrondo, e mamãe entra, enfurecida. Frederico posta-se à minha frente, defendendo-me, mas na verdade ela o quer. Agarra-o pelo pescoço e o prensa junto à parede. Tento ajudá-lo, mas sou empurrada para longe. Frederico se debate, já com os olhos esbugalhados. Tento nova investida, aos berros, quando sinto um baque seco em minha cabeça, e o escuro...

Pela pouca luminosidade e cheiro de mofo, estou no porão. Minha cabeça lateja. Setembrina me observa enquanto tento, em vão, levantar; estou amarrada pelos pulsos e tornozelos. Ela se aproxima com sua bengala, se agacha e fala melancolicamente:

Podias ter um futuro tão brilhante, menina... Ao menos terás companhia...

Começo a chorar, e então ela aponta à minha esquerda. Amarrado como eu, amordaçado e vivo...

Pai...