A Capitolina 5, maio 2014 | Page 10

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menores, e até aqueles que se encontravam em condições pio res, mesmo esses se interessa vam pela vida política de seu país. Entre 1750 e 1770, a publicação de jornais aumentou consideravelmente. A pavimen tação de estradas possibilitava a circulação de jornais e livros com uma velocidade nunca an tes vista – podia-se ir de Londres a Liverpool em dois dias. A leitura de jornais nutriu discus sões políticas populares. Clubes de conversa se reuniam em diversas cida- des para discutir questões nacionais. O Parlamen to passou a permitir que repór teres presenciassem sessões e divulgassem imediatamente os assuntos abordados. A Ingla- terra do século 18 viu o surgi mento da opinião pública.

O momento histórico que esbo cei acima de forma resumida apresentou os ingredientes que ajudaram a expansão da publi cação e da leitura de romances na Ingla- terra setecentista: as inovações industriais impulsio naram a impressão de livros e o crescimento das cidades sig nificou mais leitores, mais espa ços para a leitura, e mais possibilidades de aquisição de livros. Mas além disso, não foi apenas a questão mercan- tilista dos livros que sofreu mudanças: a concepção de literatura e o fazer literário tam- bém foram abalados. Vejamos, em termos gerais, de que forma as páginas dos roman- ces ingleses do século 18 refletiram um contexto em plena mutação. As manifestações literárias ingle sas setecentistas que me interes sam aqui são os romances ditos realistas e os romances góticos. Gostaria de discutir apenas um autor de cada gênero e uma obra de cada autor, por uma questão de objetividade do presente trabalho. Acredito que Tom Jones (1749), de Henry Fielding, e The Mysteries of Udol- pho (1794), de Ann Radcliffe sejam obras bastante representativas, e portanto me apoi- arei nelas. Na Introdução de seu Tom Jones, Fielding afirma que um autor deve conside- rar-se um homem público, e não alguém que escre ve para apenas um indivíduo, ou para uma quantidade muito reduzida de leitores. Fala também sobre a matéria de sua obra: a vida comum, o homem comum, a linguagem comum. Já prevendo que tal escolha pode ria provocar críticas, Fielding afirma que é a forma como o escritor trata assun- tos triviais que dá ou não boa reputação à obra. Em suas palavras, mesmo que o leitor tenha restrições sobre a ficção que aborda eventos tão triviais, ele ou ela ficará muito feliz ao ler sobre os “princípios mais elevados da nossa nação” (FIELDING, [1749] 2000; todas as obras aqui citadas foram traduzidas por mim). O que me parece interes sante no conteúdo que pontuei na Introdução de Tom Jones é que Fielding cria novas defini- ções e oferece novos padrões literários: ele não só redefine o que um autor deve ser, como também explica e justifica sobre quais temas ele deve escrever. No livro IX, capítulo V, o autor define um herói da seguinte forma: “Os heróis, apesar da concepção elevada que possam ter de si, ou que o mundo lhes atribui, certa- mente tem mais do mortal que do divino em si” (FIELDING, 2000). Considero esse pe- queno fragmento muito interessante, pois ele corresponde perfeitamente à ideia da escrita do e sobre o homem comum, mencionada na introdução do romance. E Fielding repete esse tipo de comentário em outros momen tos do livro, como se quisesse sussurrar no ouvido do leitor: Percebam, estou escrevendo sobre o homem comum, não há nada de extraordinário, infun dado ou místico aqui.

Já no livro 18, capítulo X, no meio de uma conversa, o personagem Allworthy diz a Jones:

[...] mas a vilania, meu garoto, quando descoberta é irreparável; as marcas que tal ato deixa, tempo algum apaga. Os censores da humanidade perseguirão o desgraçado, seu julgamento o abaterá em público; e se a vergonha o exilar, ele irá para o refúgio com to- dos os terrores de uma criança medrosa que, apavorada por monstros, se despede de todos e vai dormir. Então, sua consciência suja o atormentará (FIELDING, 2000).

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