A Capitolina 4, abril 2014 | Page 19

Problemas Crônicos 18

inevitável, imposição orgânica, exigência de nossas necessidades mais primitivas, crescer é questão de sobrevivência. Sobrevivência pré condiz abnegação, daí a pá de cal definitiva ao delírio de nossos sonhos que é este carrasco chamado TRABALHO. Sei que o ecoar dessa palavra fez sacudir as estruturas de nosso amigo que me lê, tal fez o espirro do troll monstruoso à débil embarcação do menino Tjovik. Os labores e os espirros são isso, abalam e derribam o que antes E se crescer é inevitável, destino inexorável de todo ser vivente, então a conclusão irremediável é que a culpa é da vida. Não, não é das estrelas! Quê algumas bolas incandescentes de gás e poeira tem que ver com o que sucede a meia dúzia de reles humanos aqui em baixo? A culpa é da vida, que pegando-nos pelos colarinhos chacoalha-nos feito bonecas de pano: –

“Acorde, acorde que já são horas!”, diz ela, abstraindo-nos do sono doce, dissipando os vapores de nossos mais belos sonhos.

Essa é a eterna sombra da existência, como dizia o Fausto. Não fosse a realidade da vida permaneceríamos eternamente no reino do encanto e da fantasia que é a infância, tal fazem músicos, pintores, atores e toda classe de artistas, assim como este autor que vos fala. O enveredar pelo universo das artes é a permanência no mundo mágico e fantástico da infância, no mundo “ideal”, como meninos birrentos e caprichos que teimam em não despegar dos últimos fiapos pueris. O mal disso é que o salto ao extraordinário da fantasia não é aos arroubos e repentes, mas aos saltinhos, pois de alguma maneira ainda temos que subsistir deste lado de cá da toca do coelho de Alice.

É de confessar, todavia, que muita vez é difícil conter a pena a dar seus grandes saltos extraordinários e fazer as mais arrojadas piruetas que se supõe possíveis. É preciso manobrá-la a todo o tempo para não acabar por descambar para a devaneio total (o que é tão dificultoso!). Por vezes o texto guina para a direita, e tenho que puxá-lo para a esquerda; despenca para a esquerda, e lá vou eu atrás dele para torná-lo a direita novamente.

E assim há vezes em que a fantasia vem como o esplendor do sol da manhã arredando a crueza de mármore da vida real e concreta, como faz ele à névoa fria que cobre a noite. Encarno então não mais Peter Pan de J. M. Barrie, mas Tjovik, o menino gnomo, escalando a montanha mágica, ombreando trolls tenebrosos e tornando para casa com o ouro debaixo do braço. Mas então a pena chega ao fim da página, a história termina sem razão e a realidade exige seu trono de Fausto enternecido, como um sol que se põe frio e cansado, nesse eterno entardecer da alma: “Aí vinde novamente, sorrateiras sombras...”