A Capitolina 4, abril 2014 | Page 10

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foram populares como tradição oral, mas, antes, porque suas histórias são instigantes. Não há como alcançar completamente seu sentido em termos puramente intelectuais, fato que nos desperta a percepção intuitiva. A fantasia irracional a ponto de permitir que a Vovó, engolida pelo Lobo Mau, permaneça viva em sua barriga até ser salva; que Bela Adormecida durma enfeitiçada um sono de cem anos; e que João suba num pé de feijão até alcançar no céu o castelo de um gigante. Justamente pelo inverossímil que expõe, provoca uma reviravolta em nosso mundo psíquico, o qual estimula, aguça-se na tentativa de compreendê-la. E não há como explicá-la pelos padrões da razão metódica. A história de fadas é por si sua melhor explicação, do mesmo modo que as obras de arte encerram aspectos que fogem do alcance do intelecto, já que suscitam emoções capazes de comover os que fogem do alcance do intelecto; já que suscitam emoções capazes de comover os que diante delas se colocam. O significado desses contos está guardado na totalidade de seu conjunto, perpassado pelos fios invisíveis de sua trama narrativa. Claro que, diante desse mistério, muitas formas de abordá-lo são possíveis e igualmente válidas, posto que acrescentam luz à sua compreensão. A literatura dirigida ao público infantil foi produzida a partir do século XVII, uma vez que antes desta data, a sociedade feudal não reconhecia que as crianças possuíam características próprias da infância. Com a queda do sistema feudal, a família tornou-se unicelular, ou seja, mais unida e privada, e a criança é tida como frágil (biologicamente), distanciada dos meios produtivos; e então, como conseqüência, é um ser dependente do adulto, de quem precisa ajuda para agir na sociedade.

Segundo o modelo familiar burguês que surgiu na Idade Moderna, a criança passou a ser valorizada, e juntamente com as idéias para seu desenvolvimento intelectual surge a necessidade de manipulação de suas emoções. É neste contexto que a escola e a literatura aparecem para atender a essas questões. Prova disto é que os primeiros textos para as crianças são de caráter educativo. O cunho educativo é dotado de um pragmatismo que não aceita a literatura como arte, mas como atividade de dominação da criança, ou seja, de cunho exclusivamente moralista e ditadora de regras.

Essa idéia de dominação é incorporada pela escola como objetivo, uma vez que esta introduz a criança na vida adulta, mas ao mesmo tempo, protege-a contra as agressões do mundo exterior, separando-a de seu coletivo (família, sociedade) e a fazendo esquecer o que já sabe.

“O sistema de clausura coroa o processo: a escola fecha suas portas para o mundo exterior [..]. As relações da escola com a vida são, portanto, de contrariedade [...] É por omitir o social que a escola pode se converter num dos veículos mais bem sucedidos da educação burguesa; pois a partir desta ocorrência, tornou-se possível a manifestação dos ideais que regem a conduta da camada do poder, evitando o eventual questionamento que revelaria sua face mais autêntica.” (ZILBERMAN, 1985, p. 19).

As relações entre literatura e escola possuem aspectos comuns e divergentes; as duas são de natureza formativa e divergente, pois a escola busca transformar a realidade viva e sintetizá-la nas disciplinas. Nesse processo de síntese, interrompem-se os vínculos com a vida atual. Já a literatura infantil sintetiza, por meio dos recursos de ficção, uma realidade que tem amplos pontos de contato com o que o leitor vive cotidianamente.

O professor precisa estar consciente dessas questões e trabalhar para que a relação literatura e escola aconteça de forma harmônica. Um dos passos que precisa ser bem construído refere-se a escolha dos textos e a adequação dos mesmos ao leitor. O mais importante que resta disso tudo é que nunca esqueçamos a lição, crianças, jovens ou adultos no mundo das fadas, todos seguimos encantados e felizes para sempre!