A Capitolina 3, março 2014 | Page 10

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Falstaff ou Lear; seu poder de condensar, de expandir, a expressar, uma vez e pra sempre.

“Nós só temos que comparar” – com essas palavras o gato está fora do saco, e a verdadeira complexidade da leitura é admitida. O primeiro processo, receber impressões com a mais alta compreensão, é somente metade do processo da leitura; que precisa ser completado, se queremos obter o prazer total de um livro, por outro. Devemos passar o julgamento sobre essas impressões inumeráveis; devemos transformar essas formas transitórias em uma que seja mais rígida e duradoura. Mas não diretamente. Espere pela poeira da leitura assentar; para o conflito e os questionamentos a se amarrarem; ande, converse, puxe as pétalas mortas de uma rosa, ou adormeça. Então repentinamente sem o nosso desejo para tal, pois assim é que a natureza nos conduz nessas transições, o livro vai retornar, mas diferentemente. Ele flutuará ao topo da mente como um todo. E o livro como um todo é diferente do livro recebido no momento em frases separadas. Detalhes agora se encaixam nos seus lugares. Nós vemos a forma do começo ao fim; seja isto um celeiro, um curral de porcos, ou uma catedral. Então agora podemos comprar livro com livro como comparamos edifícios com edifícios. Mas esse ato de comparação significa que nossa atitude mudou; não somos mais amigos do escritor, mas seus juízes; e assim como não podemos ser tão simpáticos como amigos, assim como juízes não podemos ser muito severos. Não são eles criminosos, livros que gastaram nosso tempo e simpatia; não são eles os

mais insidiosos inimigos da sociedade, corruptores, poluentes, os escritores de falsos livros, livros fingidos, livros que enchem o ar com decadência e doença? Deixe-nos então ser severos em nossos julgamentos; deixe-nos comparar cada livro com os maiores da sua espécie. Ali eles mantém na mente as formas dos livro que lemos solidificados pelos julgamentos que fazemos deles – Robbinson Crusoe, Emma, The Return of Native. Compare as novelas com esses – mesmo a mais recente e mínima das novelas tem o direito de ser comparada com as melhores. E assim com a poesia – quando a intoxicação do ritmo tiver abrandado e o esplendor das palavras tiver murchado uma forma visionária retornará a nós e esta precisa ser comparada com Lear, com Fedra, com O Prelúdio; ou se não com esses, com quaisquer que sejam os melhores ou pareçam a nós serem os melhores da sua espécie. E devemos ter certeza que a renovação da nova poesia e ficção é sua mais superficial qualidade e que nós temos de alterar levemente, e não a remodelar, os padrões com que julgamos os antigos.

Seria tolo, então, pretender que a segunda parte da leitura, o julgamento, a comparação, é tão simples quanto à primeira – abrir a mente amplamente para o aglomerado rápido de inumeráveis impressões. Para continuar lendo sem o livro diante de você, para reter uma forma-sombra contra outra, para ter lido com amplitude suficiente e com suficiente entendimento para fazer tais comparações vivas e iluminadoras – esta é a dificuldade; é ainda mais difícil ir mais a fundo e dizer, “Não somente esse livro é desse tipo, mas ele é desse valor; aqui ele falha; aqui ele sucede; isto é ruim; aquilo é bom.” Para conseguir realizar essa parte, da obrigação do leitor, é necessário tal imaginação, intuição, e aprender que é difícil conceber uma mente qualquer suficientemente com qualidade e habilidade; impossível para o mais autoconfiante achar mais do que as sementes de tais poderes em si mesmo. Poderia ser sábio, então, ceder essa parte da leitura e permitir que os críticos, as autoridades adornadas com peles e mantos da biblioteca, decidam a questão do valor absoluto do livro para nós? Ainda, quão impossível! Nós podemos alargar o valor da simpatia; podemos tentar afundar nossa própria identidade ao lermos. Mas sabemos que não podemos simpatizar inteiramente ou nos imergir inteiramente; sempre há um demônio em nós que sussurra, “Eu odeio, eu amo,” e não podemos silenciá-lo. De fato, é precisamente por que odiamos e amamos que nossa relação com poetas e novelistas é tão íntima que achamos a presença de outra pessoa intolerável. E mesmo se os resultados forem abomináveis e nossos julgamentos estejam errados, ainda sim é nosso gosto, o nervo da sensação que envia choques através de nós, é o nosso chefe iluminador; nós aprendemos através do sentimento; não podemos suprimir nossa própria idiossincrasia sem empobrecê-la. Mas na medida em que o tempo passa talvez possamos treinar nosso gosto; talvez possamos submetê-lo a certo controle. Quando ele tiver se alimentado abundante e gulosamente de livros de todos os tipos – poesia, ficção, história, biografia – e tiver parado de ler e olhado por longos espaços sobre a variedade, a incongruência do mundo dos vivos, nós devemos achar que ele está mudando um pouquinho; ele não é tão insaciável, ele é mais refletivo. Isto irá começar a trazer-nos não meros julgamentos de livros particulares, mas irá nos dizer que existe uma qualidade comum em certos livros. Ouça, isto lhe dirá, o que devemos nós chamar isto? E isto vai ler-nos talvez o Rei Lear e talvez Agamemnon a fim de nos trazer essa qualidade comum. Dessa forma, com o nosso gosto nos guiando, devemos nos aventurar além do livro particular na busca de qualidades que unem livros em grupos; nós devemos dar-lhes nomes e, então, enquadrar uma regra que traga ordem nas nossas percepções. Devemos ganhar uma avançada e profunda satisfação dessa discriminação. Mas como uma regra só vive quando é perpetuamente quebrada pelo contato com os próprios livros – nada é mais fácil e mais degradante do que criar regras que existem fora de contato com os fatos, num vácuo – agora pelo menos, em prol de firmamo-nos nessa tentativa difícil, poderá ser bom se virar aos mui raros escritores que são capazes de esclarecer-nos sobre a literatura como uma arte. Coleridge e Dryden e Johnson, no seu criticismo considerado, os próprios poetas e novelistas em seus dizeres irrefletidos, são freqüentemente surpreendentemente relevantes; eles iluminam e solidificam as idéias vagas que vem tropeçando pela neblina das profundezas das nossas mentes. Mas eles só podem nos ajudar se nós viermos até eles cheios de dúvidas e sugestões ganhas honestamente no curso de nossas próprias leituras. Eles nada podem fazer por nós se nos reunirmos sobre sua autoridade e deitarmos como ovelhas nas sombras do cercado. Nós só podemos entender suas regras quando entram em conflito com as nossas próprias e as derrotam.