A Capitolina 2, fevereiro 2014 | Page 9

Escrituras 8

apenas a um certo dado objetivo. Não pode haver comunicação relativa a um dado "linguístico"; não só por haver resposta, sendo a resposta uma reação linguística a outra manifestação linguística; mas também no sentido de que a mensagem de uma abelha não pode ser reproduzida por outra que não tenha visto ela mesma os fatos que a primeira anuncia. Não se comprovou que uma. abelha vá, por exemplo, levar a outra colmeia a mensagem que recebeu na sua, o que seria uma forma de transmissão ou de retransmissão. Vê-se a diferença da linguagem humana, em que, no diálogo, a referência à experiência objetiva e a reação à manifestação linguística se misturam livremente, ao infinito. A abelha não constroi uma mensagem a partir de outra mensagem. Cada uma das que, alertadas pela dança da primeira, saem e vão alimentar-se no ponto indicado,reproduz quando volta a mesma informação, não a partir da primeira mensagem, mas à partir da realidade que acaba de comprovar. Ora, o caráter da linguagem é o de propiciar um substituto da experiência que seja adequado para ser transmitido sem fim no tempo e no espaço, o que o típico do nosso simbolismo e o fundamento da tradição linguística.

Se considerarmos agora o conteúdo da mensagem, será fácil observarmos que se refere sempre e somente a um dado, o alimento, e que as únicas variantes que comporta são relativas a dados especiais. É evidente o contraste com o ilimitado dos conteúdos da linguagem humana. Além disso, a conduta que significa a mensagem das abelhas denota um simbolismo particular que consiste num decalque da situação objetiva, da única situação que possibilita uma mensagem, sem nenhuma variação ou transposição possível. Ora, na linguagem humana, o símbolo em geral não configura os dados das experiências, no sentido de que não há relação necessária entre a referência objetiva e a forma linguística. Haveria muitas distinções para fazer aqui sob o aspecto do simbolismo humano, cuja natureza e cujo funcionamento foram pouco estudados. A diferença, porém, subsiste.

Um último caráter da comunicação das abelhas a opõe fortemente às línguas humanas. A mensagem das abelhas não se deixa analisar. Não lhes podemos ver senão um conteúdo global, ligando-se a única diferença à posição espacial do objeto relatado. É impossível, porém, decompor esse conteúdo nos seus elementos

formadores, nos seus "morfemas", de maneira a

fazer corresponder cada um desses morfemas a um elemento do enunciado. A linguagem humana caracteriza-se justamente aí. Cada enunciado se reduz a elementos que se deixam combinar livremente segundo regras definidas, de modo que um número reduzido de morfemas permite um número considerável de combinações de onde nasce a variedade da linguagem humana, que é a capacidade de dizer tudo. Uma análise mais aprofundada da linguagem mostra que esses morfemas, elementos de significação, se resolvem, por sua vez, em fonemas, elementos articulatórios destituídos de significação, ainda menos numerosos, cuja reunião seletiva e distintiva fornece as unidades significantes. Esses fonemas "vazios", organizados em sistemas, formam a base de todas as línguas. Está claro que a linguagem das abelhas não permite isolar semelhantes constituintes; não se reduz a elementos identificáveis e distintivos.