A Capitolina 2, fevereiro 2014 | Page 7

Escrituras 6

por Sigmund Freud

saciar-se, voltam à colmeia onde, por sua vez, se entregam às mesmas danças, o que provoca novas partidas, de modo que depois de algumas idas e vindas, centenas de abelhas já acorreram ao local onde a primeira descobriu o alimento. A dança em círculos e a dança em oito evidenciam-se, pois, como verdadeiras mensagens pelas quais a descoberta é assinalada à colmeia. Faltava encontrar a diferença entre as duas danças. K. von Frisch pensou que versasse sobre a natureza do alimento: a· dança circular anunciaria o néctar, a dança em oito, o pólen. Esses dados, com a sua interpretação, apresentados em 1923, são hoje noções correntes e já vulgarizadas (Assim Maurice Mathis,.Le peup/e des abeilles, p. 70: "O. doutor K. von Frisch havia descoherto . . . o comportamento da abeiha à sua volta à colmeia. Segundo a natureza do aehado a explorar, mel ou pólen, a abelha fisgada executará sobre os bolos de cera. Uma verdadeira dança de demonstração, girando em circulo para uma ·substância açucarada, descrevendo oitos para o pólen"). Mesmo demonstradas, porém, não nos permitem falar de uma verdadeira linguagem. Esses aspectos estão agora completamente renovados pelas experiências que Karl von Frisch realizou depois, ampliando e retificando as suas primeiras observações. Tornou~as conhecidas em 1948 em

publicações técnicas e, resumidas muito claramente, em 1950 num pequeno Folume que reproduz conferências feitas nos Estados Unidos. Após milhares de experiências de uma paciência e de uma engenhosidade verdadeiramente admiráveis, conseguiu determinar a significação das danças. A novidade fundamental consiste em que se reportam não, como ele o havia inicialmente pensado, à natureza do achado mas à distância a que esse achado da colmeia. A dança em círculo anuncia que o local do alimento deve ser procurado a pequena distância, num raio de cem metros aproximadamente ao redor da colmeia. As abelhas saem então e se espalham ao redor da colmeia até que a tenham encontrado. A outra dança, que a operária colhedora executa vibrando e descrevendo oitos (wagging-dance), indica que o ponto está. situado a uma distância superior, além de cem metros e seis quilômetros. A mensagem comporta duas indicações distintas: uma sobre a distância, outra sobre a direção. A distância está implícita pelo número de figuras dadas num tempo determinado; varia sempre na razão inversa da sua freqüência. Por exemplo, a abelha descreve nove a dez "oitos" completos em quinze segundos quando a distância é de cem metros, sete para duzentos metros, quatro é meio para

um quilômetro, e dois somente para seis quilômetros. Quanto maior é a distância, mais lenta é a dança. Quanto à direção em que se deve procurar o achado, é o eixo do "oito" que assinala, em direção ao sol; segundo se incline para a direita ou para a esquerda, esse eixo indica o ângulo que o local da descoberta forma com o sol. As abelhas são capazes de oríentar-se mesmo com o tempo encoberto, em virtude de uma sensibilidade par ticular à luz polarizada. Na prática, há ligeiras variações de uma abelha a outra ou de uma colmeia a outra na avaliação da distância, mas não na escolha de uma ou de outra dança. Esses resultados são o produto de aproximadamente quatro mil experiências, que outros zoólogos, a princípio céticos, repetiram na Europa e nos Estados Unidos, e finalmente confirmaram. Temos agora o meio de nos assegurarmos de que é mesmo a dança, nas suas duas modalidades, que serve às abelhas para informar às companheiras sobre os seus achados e guiá-las por meio de indicações sobre a direção e a distância. As abelhas, percebendoo o odor da colhedora ou absorvendo o néctar que engoliu, descobrem além do mais a natureza do achado. Empreendem por sua vez o seu vôo e atingem com certeza o .local. O observador pode, a partir daí, segundo o tipo e o ritmo da dança, prever o comportamento da colmeia e verificar as indicações transmitidas.(A importância-dessas descobeàas para os estudos de

conhecemos tão bem? É que existe uma classe de seres humanos a quem, não um deus, mas uma deusa severa - a Necessidade - delegou a tarefa de revelar aquilo de que sofrem e aquilo que lhes dá felicidade. São as vítimas de doenças nervosas, obrigadas a revelar suas fantasias, entre outras coisas, ao médico por quem esperam ser curadas através de tratamento mental. É esta a nossa melhor fonte de conhecimento, e desde então sentimo-nos justificados em supor que os nossos pacientes nada nos revelam que não possamos também ouvir de pessoas saudáveis.

Vamos agora examinar algumas características do fantasiar. Podemos partir da tese de que a pessoa feliz nunca fantasia, somente a insatisfeita. As forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, e toda fantasia é a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfatória. Os desejos motivadores variam de acordo com o sexo, o caráter e as circunstâncias da pessoa que fantasia, dividindo-se naturalmente

" é o eixo do "oito" que assinala, em direção ao sol; segundo se incline para a direita ou para a esquerda, esse eixo indica o ângulo que o local da descoberta forma com o sol. "