A Capitolina 2, fevereiro 2014 | Page 6

Linguagem Humana

Linguagem Animal

Escrituras

A

plicada ao mundo animal, a noção de linguagem só tem crédito por um abuso de termos. Sabemos que foi impossível até aqui estabelecer que os animais disponham, mesmo sob uma forma rudimentar, de um modo de expressão que tenha os carac teres e as funções da linguagem humana. Falharam todas as observações sérias praticadas sobre as comunidades animais, todas as tentativas postas em prática mediante técnicas variadas para provocar ou controlar uma forma qualquer de linguagem que se assemelhasse à dos homens. Não parece que os animais que emitem gritos variados manifestem, no momento dessas emissões vocais, comportamentos dos quais possamos inferir que se transmitem mensagens "faladas". As condições fundamentais de uma comunicação propriamente linguística parecem faltar no mundo dos animais, mesmo superiores.

A questão apresenta-se de forma diferente para as abelhas ou, pelo menos, devemos encarar o fato de que possa vir a apresentar-se tudo leva a crer e o fato se observa há muito tempo - que as abelhas têm um modo de comunicar-se. A organização prodigiosa das suas colônias, as suas atividades diferenciadas e coordenadas, a sua capacidade de reagir coletivamente diante de situações imprevistas, fazem supor que têm aptidões para trocar verdadeiras mensagens. A atenção dos observadores diri- giu-se particularmente para a maneira pela qual as abelhas são avisadas quando uma dentre elas descobre uma fonte de alimento. Uma abelha operária colhedora, encontrando, por exemplo, durante o vôo, uma solução açucarada por meio da qual caí numa armadilha, imediatamente se alimenta. Enquanto se alimenta, o experimentador cuida em marcá-la. A abelha volta depois à sua colmeia. Alguns instantes mais tarde, vê-se chegar ao mesmo lugar um grupo de abelhas entre as quais ·não se encontra a abelha marcada e que vêm todas da mesma colmeia. Esta

deve haver prevenido as companheiras. É realmente necessário que estas hajam sido informadas com precisão, pois chegam sem guia ao local, que se encontra, frequentemente, a grande distância da colmeia e sempre fora da sua vista. Não há erro nem hesitação na localização: se a primeira escolheu uma flor entre outras que poderiam igualmente atraí-la, as abelhas que vêm após a sua volta se atirarão a esta e abandonarão as outras. Aparen- temente, a abelha exploradora indicou às companheiras o lugar de onde veio. Mas de que modo?

Esse problema fascinante desafiou por muito tempo os observadores. Deve-se a Karl von Frisch (professor de Zoologia na Universidade de Munique), pelas experiências que realiza há uns trinta anos, o haver estabelecido os princípios de uma solução. As suas pesquisas. fizeram conhecer o processo da comunicação entre as abelhas. Observou, numa colmeia transparente, o comportamento da abelha que volta depois de uma descoberta de alimento. É imediatamente rodeada pelas companheiras no meio de grande efervescência, e essas estendem na sua direção as antenas para ·recolher o pólen de que vem carregada, ou absorvem o néctar que vomita. Depois, seguida das companheiras, executa danças. É este o momento essencial do processo e o próprio ato da comunicação. A abelha entrega-se, de acordo com o caso, a uma de duas danças diferentes. Uma consiste em traçar círculos horizontais da direita à esquerda, depois da esquerda à direita sucessivamente. A outra, acompanhada por uma vibração contínua do abdômen (wagging-dance, "dança do ventre"), imita mais ou menos a figurá de um 8: a abelha voa reto, depois descreve uma volta completa para a esquerda, novamente voa reto, recomeça uma volta completa para a direita, e assim por diante. Após as danças, uma ou mais abelhas deixam a colmeia e partem diretamente para a fonte que a primeira havia visitado, e depois de

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e

por Emile Benveniste