A Capitolina 2, fevereiro 2014 | Page 12

detratores ou defensores

odos os seres humanos possuem relações. Sejam elas de amor, amizade ou ódio, não deixam de ser relações. As mesmas são sustentadas pelo diálogo, visto como fator fundamental e base para que tal relação esteja em boas condições ou não (quando não há o diálogo ou quando este não ocorre da maneira esperada, por exemplo). Defino então o diálogo como uma interação entre duas ou mais pessoas que emitam sons (mensagens faladas) com o intuito de passarem uma mensagem através de uma construção linguística dada anteriormente ou no momento em que se dá o diálogo. Mas voltando ao assunto das relações, é possível dizer que há algum tipo de relação entre um ser humano e um animal? Pensando pela base do diálogo não seria possível, já que uma relação dependeria dele. Mas o que cito nesse caso é uma relação de afeto, em que o toque, situações cotidianas e a convivência tornam uma relação possível.

Um laço que o homem cria com um animal (e quem sabe a falta de diálogo) faz nascer algo mágico, causando até mesmo um sentimento de interdependência – dependendo do ser humano e do animal, é claro. Uma lambida dada por um cachorro pode significar para alguém um “eu te amo”, assim como uma cabeça baixa com um olhar tristonho depois de um grito por ele ter feito algo de errado pode significar para o homem alguma frase como “estou arrependido, mamãe!”.

Apesar disso um animal, sendo ele ou não selvagem, não pode se comunicar com um homem (e nem com outro animal) através de mensagens como as nossas. Mas pode-se dizer que se comunicam através de códigos de sinais. Aliás é disso que Émile Benveniste trata no livro Problemas de Linguística Geral, sobre Comunicação Animal e Linguagem Humana, explicitando através de estudos as distinções (e semelhanças) entre ambas.

Tomando como foco o estudo das abelhas, Benveniste descreve pesquisas que mostram o quanto é curiosa a forma com a qual as abelhas passam as informações necessárias para que não haja confusão na preparação do mel, desde a primeira etapa (encontrar o pólen). Não é engraçado imaginar uma abelha dançando “dança do ventre” para as outras passando assim muito mais que um simples jogo de movimentos, mas códigos? Aliás, ainda bem que a dança não é um fator fundamental na comunicação entre os humanos, senão muitos seriam “analfabetos” no assunto!

Quando trato desse tema, me sinto inundada por um sentimento de fantasia, como se fosse possível sim ouvir um diálogo entre outros seres (ou quem sabe dialogar com eles?). Mas voltando a por os pés (ou melhor, as palavras) na realidade uma coisa é fato: como disse Benveniste, o estudo das abelhas nos ajuda a definir o que é a linguagem humana, seja assim por similaridades ou contrastes.

Para melhor exemplificar vamos analisar o mundo marinho, mais especificamente o canto das baleias. Há uma teoria, por exemplo, que afirma que o canto de um macho anuncia o quanto ele consegue prender a respiração, mostrando assim sua boa forma (é como se ele dissesse para a fêmea “olhe pra mim fofinha, eu sou mais másculo que aquele ali!”). Mas um caso distinto a ressaltar é o da beluga (baleia branca) NOC, que tinha seu canto confundido com uma voz humana. Estudos afirmaram que NOC alterava seu canto de forma a reproduzir um som muito semelhante ao ritmo e timbre de uma voz humana e, por incrível que pareça, de forma espontânea. Foi isso, aliás, que me despertou a vontade em estar frente a frente com uma beluga e pude notar nitidamente o quanto é natural seu contato com o homem (mesmo não sendo treinada).

Voltando ao meio terrestre e sem me esquecer, é claro, dos amigos primatas, não posso deixar de citar a gorila Koko, que foi treinada para transmitir alguns sinais baseados na Linguagem de Sinais Americana. Apesar de encantadora, a gorila causa polêmica entre muitos estudiosos: uns acreditam que ela foi realmente capaz de aprender outra linguagem e de se comunicar expressando suas vontades e sentimentos através desses sinais; outros veem isso apenas como a reprodução de gestos ensinados a ela que, por sua vez, o faz apenas para ser recompensada pelos pesquisadores, não compreendendo assim seu verdadeiro significado.

Particularmente penso ser muito difícil assistir a um vídeo de Koko cuidando de seus gatinhos, virando contra a televisão no momento em que está passando a cena mais triste de seu filme predileto, fazendo sinais de que está triste pela morte de um gatinho ou ainda abraçando alguns de seus ídolos da televisão, sem pensar que ela tem plena consciência de tudo isso, assim como qualquer um de nós humanos.

Através das abelhas, das baleias, dos primatas e de tantos outros seres vivos é possível perceber que há entre eles certas ações que nos remetem a pensar que estão de alguma forma se comunicando. Agora, se você estiver se perguntando: “em até que ponto se pode afirmar que um animal está realmente querendo dizer algo? Como saber se tudo não passa de mera criatividade da mente humana?”, é preciso deixar tais perguntas de lado e substituí-las pela pergunta: “tais ações podem ser consideradas mensagens concretas?”. Benveniste então nos traz uma diferença crucial entre a comunicação animal e a linguagem humana, que é exatamente a retratação do assunto aqui proposto: a situação em que se dá a comunicação. No exemplo das abelhas é possível perceber que conseguem sim passar informações, mas estas não provocam resposta alguma do ambiente, ou seja, as abelhas (e os outros seres em si) não conhecem o diálogo. Isso é especificado no dado momento em que uma abelha chega à colmeia para dar a informações de em que lugar e distância está o pólen e as outras vão até o local. Ao voltar para a colmeia, fazem o mesmo que a primeira abelha, não pela mensagem por ela transmitida, mas sim, pela situação que acabaram de presenciar, informando assim outras abelhas.

A NOC, por sua vez, tentou reproduzir a voz humana, mas não conseguiu se comunicar conosco apesar da semelhança, pois não conhece o nosso código (e nem nós o dela!). Enquanto a gorila Koko consegue passar muitas informações aos pesquisadores, mas deixa clara sua limitação por não ter domínio total da linguagem humana.

Sendo abelha, baleia ou gorila uma coisa é certa: o homem anseia em descobrir uma linguagem direta com esses curiosos seres, e muitas das vezes isso não precisa ocorrer através de muitos estudos, mas apenas de uma situação normal do cotidiano, como a deste exemplo: o dono de um cão pensa que ele está cantando quando uiva com o som do caminhão do gás, sendo que na verdade ele está expressando sua dor de ouvido. Esta é a prova de que muitos seres humanos têm a necessidade em dizer que um animal agiu de alguma forma comparada a uma ação da natureza humana. Para mim, por exemplo, basta uma lambida!

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As (não) semelhanças entre nós, animais

Por Pamella Machado

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