A Capitolina 1, janeiro 2014 | Page 15

O desprendimento com relação à própria obra. Aceitar as opiniões de seu editor e de seus primeiros leitores, nos “test-reads”, e “mexer” na obra quando for solicitado. Não há expectativa de público quando se escreve apenas para si próprio. Assim como na música, arte visual e em todas as formas de expressão, a arte só é arte quando é apreciada por alguém. O escritor precisa decidir se o que está escrevendo é parte de um diário íntimo ou se é um texto para publicação. Se for para publicação, melhor submeter a leituras prévias e aceitar opiniões. Isso vale para o editor também, e para o produtor de cinema, de teatro etc. Quanto mais olhares externos durante a produção, maior a chance de atingir um grande público. Mas não vale descaracterizar a obra; se chegar a esse ponto, melhor escolher outra coisa para publicar, e preservar aquele trabalho para outro momento.

Você acredita que a escrita criativa é inerente

a certas pessoasou qualquer um pode se

tornar um escritor?

A criatividade é inerente ao ser humano. Não teríamos sobrevivido até aqui como espécie se não fôssemos criativos. A criatividade se manifesta na música, no esporte, na medicina etc. Cada um tem seu perfil.

Ser escritor é outra coisa. Mas todos têm que escrever, em alguma medida. Tudo é texto: quando você se levanta pela manhã e planeja o seu dia, está fazendo um texto; quando se prepara para anunciar à família o seu casamento, ou para confessar um crime, está mentalmente fazendo um texto.

Um texto escrito, um texto literário ( e possivelmente criativo! ) é para quem tem afinidade com essa forma específica de expressão.

Qual é a maior dificuldade em ser editor? E a melhor ?

Para mim, a maior dificuldade tem sido a mesma de qualquer profissional que empreende, que promove: a falta de recursos. Tenho minhas ressalvas quanto a pedir patrocínios ou fazer uso das leis de “incentivo à cultura”. E para fazer tudo sozinho, a capacidade de investimento fica limitada. Tudo em nosso país é muito caro.

A melhor parte é frequentar um círculo sempre crescente de escritores, tradutores, designers, fotógrafos, jornalistas, blogueiros e afins. Amizades que se constroem por afinidade intelectual.

E também ter o gosto de contemplar minha pequena biblioteca e saber que uns quatro ou cinco livros ali no meio foram produzidos por mim!

Qual a melhor dica que você pode oferecer para alguém tentando entrar no mercado editorial? Como escritor e/ou editor?

Freud diz que todos os livros de sucesso popular tem um herói, em torno do qual se dá a história, que atrai o carinho do publico e que parece sempre estar protegido por alguma 'providencia especial'. Você concorda com isso?

Qual é o maior diferencial que um escritor criativo pode ter?

As dicas já estão aí: ser visceral, e ter desprendimento. Não sou a melhor pessoa para aconselhar sobre o mercado, porque ainda não publiquei best-sellers. Mas vale dizer: aconselhe-se, sim, com os mais experientes. Mas não siga fórmulas, saia do convencional. Num mundo fractal, é isso que fará você se sobressair: o desvio dos padrões.

Isso também foi matéria para o mitólogo Joseph Campbell. Chamamos a isso de arquétipos, ou modelos, nos quais nos espelhamos. É a “jornada do herói”. A saga cinematográfica Star Wars foi o exemplo clássico analisado por Campbell, mas isso vale para qualquer trama. Os dramas humanos são os mesmos, desde Perseu, desde o Cavalo de Tróia, desde Édipo e Jocasta, desde Cupido e Psique. Não se criam dramas novos. Criam-se pontos de vista, fazem-se adaptações aos tempos. Porque o ser humano continua buscando a mesma coisa: saber quem ele é. É isso o que atrai a gente. Não é algo que possa ser mudado, enquanto formos nós. Podemos variar a forma, mas no fundo será sobre isso.

Por esse motivo, busco autores viscerais. Não importa tanto o inventar estórias, os gregos e outros povos antigos já escreveram todas. Quero saber como é que o escritor de hoje as conta.

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