1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 95

II 19641 Luiz Werneck Vianna2 S e as sociedades onde tradicionalmente existem atores e instituições políticas fortes e enraizados, treinados nas artes da tentativa de exercer domínio sobre as circunstâncias, sempre experimentam surpresa com o que há de diferença entre os resultados das suas ações e as suas intenções, a brasileira, com sua proverbial inorganicidade, parece estar condenada à estupefação diante de cada episódio significativo em sua história. Os idos de 1964 se constituíram em um desses momentos: um movimento político e militar, orientado para interromper o longo ciclo do regime Vargas, e que derruba por meio de um golpe de Estado o seu herdeiro, o presidente João Goulart, se põe, nem decorridos três anos, em linha de continuidade com o que fora o alvo da sua intervenção. 1964 teria vindo como que para confirmar 1937. Não apenas pelo registro coercitivo de suas instituições, o corporativismo sindical do Estado Novo foi legitimado pelo regime militar, em que pese a publicística ortodoxamente liberal da época de arregimentação de forças pré-golpe, mas sobretudo pela concepção de que os fins da aceleração econômica deveriam prevalecer na ação dos 1 2 Publicado originariamente na revista Estudos Sociedade e Agricultura, da UFRRJ, nº 2, de junho de 1994. Cientista político, professor-pesquisador da Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e autor de várias e importantes obras, dentre as quais a mais recente é A modernização sem o moderno – Análises de conjuntura na Era Lula, da série Brasil e Itália, da Fundação Astrojildo Pereira e da Editora Contraponto. 93