1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 84

em não poucas narrativas, como uma espécie de história sem todos os protagonistas visíveis, em que orientações políticas e atores responsáveis pela conquista do Estado democrático de Direito aparecem esmaecidos. No seu livro, Daniel Pécaut mostra o clima intelectual à volta daqueles intérpretes, apresentando duas linhas de argumentos, influentes nas esquerdas da época: 1) a dos que se centram no tema da estagnação a que estava condenado o país, e veem a situação ditatorial como um intervalo, pois a ditadura logo caminharia para o impasse; e 2) a dos que pensam a relação entre economia e política igualmente sobredeterminada pelo econômico, o que implicaria, como será referido mais adiante, desconsiderar a política como meio eficaz de resistência ao regime de 1964. Sublinhemos na apresentação de Pécaut alguns traços de cada um desses tipos de pensamento. O autor toma como referências emblemáticas da primeira linha das argumentações textos de Celso Furtado e de Hélio Jaguaribe, intelectuais já gravitantes na segunda metade da década de 1950 e nos primeiros anos 1960. Furtado, um manheimiano que esteve à frente da Sudene e depois foi ministro do Planejamento do governo João Goulart, considerava viável, naqueles anos cepalinos, encaminhar no Brasil um processo de superação do subdesenvolvimento por meio de reformas capitalistas e nos marcos do Estado democrático (FURTADO, 1962). E Jaguaribe, um quadro intelectual do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), que era conhecido polemista nos debates públicos sobre o desenvolvimento do capitalismo nacional e sobre a reforma do Estado (JAGUARIBE, 1958).3 Em textos de 1967-1968, Furtado retoma e radicaliza – Pécaut marca esta referência – a tese do esgotamento do modelo de crescimento por meio da substituição das importações, anunciada em 1963 por Maria da Conceição Tavares, no seu artigo 3 82 A propósito do sentido da teorização de Jaguaribe sobre o “Esta do cartorial”, ver Prado Jr., 1977; 1978). 1964 – As armas da política e a ilusão armada