1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 81
tro de seus privilégios e estava disposta a utilizar todos os recursos
para evitar que isso acontecesse.
Porque, mesmo com um “dispositivo militar” muito mais
poderoso que o de 1961, quando da luta pela posse de Jango, as
forças que o apoiavam não conseguiram evitar o golpe de Estado
de 1964? A resposta cabal a esta pergunta está em muitos estudos,
análises e livros publicados no Brasil e no exterior. Elio Gaspari na
Parte I, intitulada “A queda”, no primeiro de seus indispensáveis
livros sobre a ditadura,2 assinala: “Tratava-se de buscar tamanha
mudança no poder que, em última análise, durante o dia 31 de
março tanto o governo (pela esquerda) como os insurretos (pela
direita) precisavam atropelar as instituições republicanas”. E mais
adiante: “Fosse qual fosse o governo, fosse qual fosse o presidente,
depois de acontecimentos como a insubordinação da marujada e o
discurso do Automóvel Clube, em algum lugar do Brasil haveria
um levante. Por definição, esse levante não poderia ser reprimido
utilizando-se tropas submetidas aos regulamentos convencionais.
Um governo que tolerava a indisciplina não deveria acreditar que
seria defendido de armas na mão por militares disciplinados,
obedecendo a ordens da hierarquia”.
Permitir que a luta chegasse a essa situação limite, deixar, e
até colaborar, para que a decisão se deslocasse para o terreno militar, sem dar-se conta de sua íntima dependência da correlação de
forças políticas, foi um erro que não ficou restrito ao episódio do
golpe de 1964. Tal avaliação, por parte de setores da esquerda,
persistiu nos anos seguintes sob a forma de luta armada contra a
ditadura, causando os prejuízos que conhecemos. Mas naquele
episódio, o conjunto das forças democráticas, com raras exceções,
não se deu conta ou menosprezou suas divisões e a separação política entre as classes e camadas populares e as camadas médias.
Há 12 anos, aconteceu no Brasil um movimento social de
proporções únicas, mas que teve e tem em sua base traços comuns
2
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada, Rio de Janeiro: Companhia das Letras,
2002, p. 83 e 92.
Fazer as mudanças na democracia, um desafio
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