1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 56

O primeiro (e único) deles foi realizado no Rio de Janeiro, no dia 13 de março, uma sexta-feira, em frente à Central do Brasil. Com um grande público (estimado entre 150 e 200 mil presentes), os líderes políticos, sindicais e estudantis revezavam-se no palanque com uma retórica altissonante e um tom ameaçador (contra os golpistas e reacionários, o imperialismo e o latifúndio, os conciliadores e vacilantes); uma grande quantidade de cartazes e faixas expunham palavras de ordem destemidas: “reformas na lei ou na marra”, “forca para os gorilas”, “reeleição de Jango”, “legalidade para o PCB” etc. Ao fim, Jango anunciou um decreto referente à reforma agrária e outro sobre a encampação de refinarias particulares e falou da necessidade de revisar-se a Constituição para poder fazer as reformas. Menos de uma semana após o comício (19/03), em São Paulo, a reação conservadora revida com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada pelo governo estadual, pela Igreja Católica, por entidades empresariais etc., e com o dobro de participantes, segundo a imprensa. Suas palavras de ordem foram a defesa da democracia, da Constituição, da propriedade, da religião e contra o comunismo. A partir da marcha, a direita capturou de vez o lema da legalidade democrática e com isso “(...) ampliou sua margem de ação e atraiu amplo apoio da opinião pública” (FIGUEIREDO, 1997, p. 52). Na medida em que a direita exagerava propositalmente a força da esquerda e o perigo do comunismo ou de uma “República Sindicalista” – para criar um clima de terror e intimidar a classe dominante, as camadas médias, os católicos e outros setores –, a esquerda não só acreditou como passou a autossuperestimar seu poderio. Sua retórica tornava-se cada vez mais radical e estridente – criou-se, de fato, uma ilusão fantasiosa de que o país viveria uma situação revolucionária; era necessário agir e com rapidez para se chegar a seu desenlace, e quem sabe ao dia do juízo final. “Criava-se uma bola de neve radicalizante que se afastava cada vez mais da realidade. Sobrestimando a própria força e subestimando a do inimigo, o presidente e as esquerdas se empenharam numa corrida para o abismo” (CARVALHO, 2005, p. 125). 54 1964 – As armas da política e a ilusão armada