1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 38
uma sociedade cada vez mais complexas e diferenciadas, em
choque crescente com o autoritarismo mais ou menos aberto que
presidira seu surgimento. Por isso, a partir de 1964, não só mudaria o padrão de relações entre Estado, sociedade e economia, em
benefício da generalização das relações capitalistas numa escala
até então inédita. Mudariam também, na mesma medida, todas as
forças políticas, inclusive as de esquerda, que, no combate ao
regime, não poderiam ter ficado sempre iguais a si mesmas, para
não falar das alterações nas correntes de ideias internacionais a
que se referiam.
De algum modo, somos ainda todos testemunhas de um
percurso que começa com o protagonismo de uma força da
esquerda histórica – o Partido Comunista Brasileiro –, lançada a
partir de 1964 em movimento progressivo de declínio e fragmentação, e termina, já em nossos dias, com o protagonismo de um
partido representativo da “segunda esquerda”, que recolhe e
expressa as novidades acontecidas na modernização e prati camente anuncia o amadurecimento da nossa democracia política,
ao vencer as eleições presidenciais de 2002 – quaisquer que
tenham sido, ou ainda sejam, seus limites e contradições evidenciadas no exercício posterior do governo ao longo de três mandatos
presidenciais sucessivos.3
No entanto, esta imagem de uma “passagem de bastão” entre
as duas forças não deve ocultar os inúmeros acidentes e reviravoltas de percurso. Para ter certa perspectiva histórica, é preciso dizer
alguma coisa a respeito do PCB tal como chegou aos anos críticos
do governo Goulart. Principal partido da esquerda marxista até
1964 e mesmo algum tempo depois, o PCB atravessava, desde
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Deve-se registrar que, entre intelectuais cuja referência política foi o PCB, existem
análises já imprescindíveis sobre a ascensão do petismo ao poder central, a complementação de nossa democracia e a consequente necessidade de redefinição das relações entre esquerda, política e história brasileira. Nesta perspectiva, que combina
a novidade da chegada ao poder no quadro pós-Guerra Fria e uma visão de ideias e
fatos como processos de longa duração, sai fortemente circunscrito o mito “refundacional” vigente em certas áreas petistas. Cf., por exemplo, a entrevista de Luiz Werneck Vianna, “A história absolvida”, dada no calor da hora, em 12/2002, em . Acesso em: 16/03/2014.
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