1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 366
marcha nupcial (...) e eu passando de noiva do torturador para ser
estuprada na sala de torturas, lá em cima. É todo um terrorismo.
Ele me agarrando, ele e os outros, avançando, passando a mão,
pegando mesmo. Nos seios, nas coxas, tudo pra eu acreditar que lá
em cima seria o estupro. (...) Essa coisa de ameaça sexual era
permanente e pra mim isso aí não tem perdão.8
Destacamos que mulheres religiosas também sofreram
violência sexual. Juntamente com madre Maurina, Áurea Moretti
foi presa em Ribeirão Preto-SP, e em seu depoimento, ela fala
sobre o estupro da religiosa:
Eu tenho evidências, mas não tenho provas. Ela nunca me falou
claramente. Quem dizia isso eram eles. Tinha um militar de Pirassununga, um louro de olho azul que tirava a gente da cela, à noite,
e ficava torturando. Em uma madrugada, ele foi buscá-la. Ela sozinha. Ele bebia, talvez se drogasse, ficava com o comportamento
todo alterado e levou-a. Em uma noite, ela voltou chorando,
dizendo que ele trancou a sala com ela e que um soldado, que ia à
missa, era amigo dela, veio, abriu a porta, e ficou ali, atrapalhando.
Ficou entrando e saindo, e esse capitão xingando ele. Numa outra
noite, aconteceu a mesma coisa. Na volta pra cela, ela só chorava,
não falava nada.9
Em Que bom te ver viva, temos também o depoimento de
Rosalina, no qual ela coloca que o que estava em jogo era a desestruturação do indivíduo, uma espécie de punição pela rebeldia de
ir contra a autoridade dos militares e não a informação em si.
A relação com os torturadores é narrada por Rosalina de maneira
muito objetiva, no sentido de demonstrar o grau de impunidade,
da impotência vivida no período. Ela cita um momento em que
pediu ao torturador que a matasse, pois já não mais aguentava e
este lhe disse que não a mataria, que tinha como objetivo lhe torturar o quanto quisesse e somente a mataria se assim o desejasse.
Este depoimento nos demonstra o poder exercido pelo governo.
8
9
CARVALHO, Luiz Maklouf. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Globo,
1998, p. 94.
Ibidem, p. 97.
364
1964 – As armas da política e a ilusão armada