1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 332

prolongou por 21 anos. Ficaram indiferentes aos sinais da época, mesmo quando a decomposição final do governo Jango era percebida por todo observador atento à cena nacional. Com efeito, ainda às vésperas do golpe, quando o colapso do governo de João Goulart já se afigurava como um caminho sem volta, muitos dos defensores e simpatizantes do presidente sequer cogitavam da débâcle que se aproximava. A maioria de nós se deixou levar por ilusões. Num momento em que mais necessária se fazia a tranquilidade dos pensantes, o que dominava era a impetuosidade dos pulsantes, ainda que movidos estes últimos pelas mais nobres intenções. Não basta o desejo, passe o truísmo, para a realização de nossos propósitos. Partamos de algumas observações elementares: na virada dos anos 1950/60, as exigências da sociedade brasileira se acumulavam. O desconforto social era inegável. As tensões políticas nesse período eram enormes. O clima de discussões em torno da necessidade de reformas de base no país era fervilhante. No entanto, infelizmente, tais reclamos estavam fora de sintonia com o ambiente geral. Mais precisamente: os setores econômicos que dominavam o país, guardiões ciosos, é claro, do status quo que lhes garantia uma vida de regalias, não estavam nem um pouco interessados na mudança desse estado de coisas; ou seja, muitas das reivindicações então levantadas (quase todas justas, registre-se), amiúde marcada pela retórica antiburguesa, obviamente importunavam a classe dominante brasileira e, mais importante, não encontravam eco junto à classe média, segmento sem cuja participação qualquer transformação social se desloca para um horizonte cada vez mais distante. Por isso, nada, ou muito pouco, compreenderemos do que aconteceu enquanto continuarmos apegados a certos esquemas interpretativos que se mostraram errados. Se insistirmos nisso, como explicar a passagem de um cenário aparentemente propício às mudanças reivindicadas para a abrupta derrocada da democracia brasileira, mesmo reconhecendo que entre nós a democracia nunca fincou raízes profundas? Como explicar a eclosão do golpe civil-militar de 64 que interrompeu o curso das coisas tão brutalmente, quando, assim pensávamos, o futuro era nosso? 330 1964 – As armas da política e a ilusão armada