1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 331
MEMÓRIAS DE UM TEMPO DE BARBÁRIE
João da Penha1
“O descuido não se perdoa./Era talvez possível fazer
mais.../Pedem-se desculpas” (Brecht)
A Affonso Romano de Sant’Anna,
Ariane P. Ewald e Jorge Coelho Soares
In memoriam de
Yvonne Jean da Fonseca,
Eginardo Pires e José Xavier de Lima
N
a cena II, ato I, de Julius Cesar, cujo referencial histórico,
como em outras peças, Shakespeare colheu de Vidas de
homens ilustres, de Plutarco, o maior de todos os bardos nos
mostra o imperador romano numa praça pública, cercado por uma
comitiva da qual faziam parte alguns dos que conspiravam contra
ele. Na multidão, alguém grita o nome de César, que curioso quer
saber de quem se trata, pedindo a seus acompanhantes que o tragam
à sua presença. Brutus diz tratar-se de um adivinho mandando César
se precaver “com os idos de março” (a soothsayer bids you beware
the ides of march). Diante do imperador, o vidente repete a advertência. Incrédulo, César não vê no homem nada além de um sonhador e ordena que o liberem (he is a dreamer; let us leave him).
Mutatis mutandis, é possível comparar a falta de apreço de
Júlio César à advertência do adivinho com a atitude das lideranças
dos partidos e organizações de massa do Brasil, secundadas pela intelectualidade de esquerda, no período compreendido entre a renúncia
de Jânio Quadros e o golpe 1º de abril de 1964, a triste abrilada que se
1
Jornalista, autor, dentre outros livros, de O que é existencialismo (Brasiliense), foi
colaborador permanente da revista Encontros com a Civilização Brasileira.
329