1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 297

Quanto ao PCB, a verdade indiscutível é que resistimos bastante à tentação do golpismo. Enquanto resistimos, crescemos e ganhamos credibilidade; quando fizemos concessões a ela, selamos a nossa sorte. Há dados objetivos. Por exemplo: nós nos opusemos à tentativa de Jango de intervir na Guanabara, combatemos o seu propósito de decretar o Estado de Sítio e criticamos a chamada “rebelião dos sargentos”. A nossa resistência, compatível com a linha política que formulamos explicitamente em 1958/1960, custou-nos a crítica de “direitistas”, assacada por vários setores do movimento popular. Com efeito, a nossa orientação era a correta. Frente à verborragia incendiária de certas lideranças carismáticas, levávamos a cabo uma política de acumulação de forças, vitalizando o movimento sindical, organizando a classe operária. Mas não fomos suficientemente fortes: a pressão do golpismo, oriunda da própria esquerda e do movimento popular, nos conduziu a vacilações e, enfim, violando a nossa orientação oficial mesma, fizemos concessões essenciais. Todo mundo se lembra da famosa entrevista, no inicio de 1964, na qual Prestes dizia que já estávamos no governo, mas ainda não havíamos chegado ao poder. Acabamos, na prática, por legitimar a política golpista que estava no ar. O resultado é sabido: Jango e o movimento popular não deram nenhum golpe. Ao contrário: o golpe foi dado para atingir todas as forças populares e democráticas. Não posso dizer que essa visão fosse inteiramente clara no PCB. Se a política aprovada no V Congresso tivesse sido aplicada, em nenhum momento ela conduziria os comunistas a apoiar qualquer atalho golpista. No entanto, no final do governo Goulart, o Partido conciliou com aquele frenesi golpista, o que nos prejudicou e muito. Fica claro que não tivemos força para superar o crônico golpismo da tradição política brasileira. Aliás, a primeira reunião do nosso Comitê Central, após o golpe, avaliou o alcance dos nossos erros e autocriticou as nossas concessões ao golpismo. O Golpe de 1964 e aspectos da política brasileira 295