1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 253
era algo que seria liderado minoritariamente pelas armas. A refutação que a esquerda não comunista fazia ao PCB era ambígua. De
um lado, era claro rechaçar seu aliancismo pequeno-burguês, mais
próprio de um partido burguês ilustrado, e não de um partido
marxista-leninista. Mas a radicalização militarista da esquerda
não comunista não basta para justificar a inépcia do PCB ante as
variações que haviam sucedido na sociedade brasileira. A irrupção
do Estado militar-nacional era a sanção de que a análise concreta
da realidade feita por ele, do país verdadeiro, estava fora do espaço
e do tempo. Fenômeno que se repetiria com a luta armada: do
mesmo modo ela estaria fora de seu tempo, fora da história.
As organizações revolucionárias brasileiras, na segunda
metade dos anos 1960, eram entidades coletivas reduzidas e pouco
aglutinadoras. Discursavam sobre um combate real, mas imaginário, contra os militares, existente apenas para estudantes-guerrilheiros, com o que isso exala de heroísmo e de tragédia ao mesmo
tempo. Eles, e as suas organizações, viviam alocados em um universo
simbólico/linguístico restrito, com um discurso não homogêneo,
sem sentido lógico, e incompreensível para a sociedade. E como não
operavam racionalmente os conflitos sociais, não conseguiam integrar-se aos movimentos organizados da sociedade.
A outra face dessa moeda: na assimilação de parte do aparato
ideológico do PCB, não ajustaram julgamentos, valores, métodos,
já consolidados socialmente. Recusaram-no porque ele não era
revolucionário. Essa abdicação sofreria o efeito chicote, sendo
recusados do mesmo modo. A fala do PCB (socialmente construída) era entendida (em sua simbologia e subjetividade) por significativos setores operários e sociais (o que não quer dizer adesismo
ou negação). E na expropriação do discurso do PCB não se deram
ao trabalho de reelaborá-lo teórica e ideologicamente. Isso em
Marighella é ostensivo. Havia a suspeita de que se moviam com o
“pensamento alheio”, mas ao mesmo tempo suas “diferenças revolucionárias” com o PCB eram desprezíveis. E nas diversas formas
de propaganda ideológica que idearam nunca determinaram o seu
espaço, seu impacto social.
Derrota anunciada: Luta armada e o PCB (1967-1973)
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