1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 216

Partido. Era uma linha deles, em ruptura com as posições tomadas pelo Comitê Central. O que estava acontecendo era uma questão muito séria. Não se tratava apenas de interpretar desta ou daquela maneira a linha partidária. Não havia uma simples divergência. O que estava acontecendo era uma ruptura mesmo, que poderia comprometer o Partido com uma aventura qualquer. O fato é que fui para o Municipal e aí encontrei o Marighella, ainda antes da intervenção propriamente dita. Tive então oportunidade de participar de uma reunião com ele. Nesse encontro estavam presentes alguns companheiros que tinham feito a intervenção no Comitê Estadual, em nome do Comitê Central, no caso o Hércules Correa, o Geraldão e o Godô. Eles foram explicar o que estava ocorrendo no Estadual. Essa foi a última vez em que me encontrei com o Marighella. Eu já estivera com ele antes, em reuniões do Comitê Central em que participava na condição de suplente, mas nada tendo acontecido que pudesse chamar a minha atenção, isto é, a ponto de eu guardar algo de realmente significativo na memória. Agora, era um pouco diferente, já que havia esse problema da ruptura. Eu tinha consciência de que aquela era a minha última reunião com ele, pois Marighella estava mesmo decidido a romper com o Partido. Como eu havia lido em algum documento do grupo dele e, se não me engano, ele mesmo nos disse nessa reunião que se tivesse 40 homens armados e 40 bons propagandistas, ele começaria a Revolução na zona rural. Argumentei-lhe assim: “No Brasil, as coisas se resolvem na faixa litorânea. É nessa área que estão os movimentos sociais organizados, onde atuam os movimentos de massa com inserção histórica nossa, com companheiros em condições de nos ajudar. A luta contra a ditadura deve se concentrar aí”. Prossegui a minha argumentação, dizendo-lhe que a massa camponesa não iria segui-lo, que ela não estava esperando uma centelha para depois pôr fogo em tudo... Eu acho até que, de certo modo, acabei influenciando-o, pois ele desistiu de cercar a cidade pelo campo, passando a concentrar as suas ações armadas nas grandes cidades, pelo menos. Marighella tinha na cabeça o modelo vietnamita de luta contra o invasor japonês. Só que essa luta tinha um grande apelo no 214 1964 – As armas da política e a ilusão armada