1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 154

parciais, movediças e incompletas dinâmicas da política que dão expressão aos atores em suas contradições, orientando ou reorientando tanto os processos e os sentidos como também o que é essencial na História. A título de exemplo, o conceito de cultura política foi, muitas vezes, tomado como manifestação cultural e menos como expressão da dinâmica política no campo das ideias e do pensamento. Neste caso, a cultura política ao invés de ser uma dimensão articuladora do político passou a ser pensada como um dado ou fenômeno suscetível tão somente à narração, dispensando-se a compreensão dos processos e mecanismos de reorganização de sentidos e vetores na vida social, a demonstrar o lugar dos atores, seus protagonismos e realizações, suas responsabilidades, suas contradições e seus limites (ROSANVALLON, 2010). No fundo, há uma história política que se faz abdicando dos problemas históricos que ela engendra; em síntese, “uma historiografia sem problema histórico” (VACCA, 2009, p. 120). O argumento que aqui se desenvolve se volta, portanto, para a mobilização da análise comparativa no sentido de que ela possa iluminar e nos ajudar a construir uma interpretação fundada na história política dos acontecimentos e processos que dramaticamente foram vivenciados tanto no Brasil quanto no Chile desde as décadas de 1960 e 1970 e que tiveram essencialmente na questão democrática o seu “problema histórico” nuclear. Ensaia-se aqui então mais do que uma comparação. Trata-se de colocar o problema histórico da democracia na América Latina na chave de leitura de uma análise diferenciada que visa “explicar diferenças que caracterizam experiências históricas diversas em relação a um quadro comum de problemas”, levando em consideração “suas diferenciações internas e conexões” (VACCA, 2009, p. 120). Brasil e Chile: alguns pontos de comparação O nosso exercício comparativo entre Brasil e Chile leva em conta obviamente o fato de que os processos políticos correlatos que ocorreram nestes países a partir dos golpes de Estado não se 152 1964 – As armas da política e a ilusão armada