1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 118
concentração da base econômica e (mais recentemente) pela segregação da produção de conhecimento.
Insurreições populares ou blanquistas?
No que diz respeito à falta de uma expressiva participação da
população nestes levantes armados, parece haver a concomitância
de dois fenômenos que se fundem e complementam: o primeiro,
relativo a uma postura dos próprios revolucionários; e o segundo,
relacionado à formação histórica do Brasil.
Em todos os levantes ocorridos no Brasil, ao longo do século
XX, os que pegaram em armas entendiam que o faziam em nome
da população. Julgavam-se intérpretes de suas aspirações e agiam
como se houvessem recebido dela uma delegação que os autorizava a fazer o que eles próprios considerassem certo. No âmbito
dos costumes políticos, este blanquismo brasileiro, praticado por
líderes das mais diversas ideologias, tem sido um dos maiores
entraves ao enraizamento da democracia no país. De fato, este
comportamento subtrai à população a possibilidade de expressar
suas aspirações e defender seus direitos pelos meios e formas que
considere adequados.
O blanquismo brasileiro de todos os matizes tem se nutrido
de uma peculiaridade da formação histórica do país: a fragilidade
da sociedade civil. Esta fragilidade, que se revela em um nível
ainda baixo de consciência de seus direitos e deveres, tem múltiplas causas. A primeira, decorre do modo como surgiu e se desenvolveu o Estado no país. Trazido a bordo de uma nau portuguesa,
ele foi transplantado às terras brasileiras com a finalidade de
produzir frutos para fora. Ao invés de ser moldado pela sociedade
brasileira, ele a moldou segundo os interesses que representava.
Absolutista em sua origem, as transformações que sofreu ao longo
de cinco séculos não eliminaram de todo sua essência autoritária.
Consequência disso é que os ocupantes do Estado tendem a ver a
sociedade como subordinada a eles, e não o contrário, como deve
ser em uma democracia.
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1964 – As armas da política e a ilusão armada