100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 96

Eu medito. Os pensamentos, coágulos de sangue, enfermos, ardendo, porejam de meu crânio. Eu, criador de tudo que é festa, não tenho com quem ir à festa. Agora mesmo irei atirar-me de cabeça no empedrado da avenida Nevski. A desintegração da URSS De volta a Moscou, tinha um encontro marcado com o brasi- lianista russo A. Karavaiev, autor do livro Brasil, passado e presente do capitalismo periférico, que havia me chamado a aten- ção porque defendia uma tese heterodoxa diante dos cânones da III Internacional: a de que o nosso país poderia se tornar desen- volvido por uma via não socialista. No dogma comunista, nenhum país dependente teria chance de chegar lá por outra via que não fosse a tomada do poder numa revolução nacional-libertadora, seguida da construção do socialismo. “Não vou conversar com você sobre o Brasil, que é um grande país e hoje tem menos problemas que o nosso”, disse-me Kara- vaiev. Tenso, o que ele queria falar era outra coisa: “a União Sovié- tica está à beira da dissolução”. Fiquei perplexo: “Como assim, vocês não resolveram a questão das nacionalidades?” A resposta dele foi nua e crua. “Com o regime de partido único, a União Soviética não sobreviverá. Os comunistas das repúblicas serão os primeiros a declarar independência para permanecer no poder”, disparou. Não deu outra. No dia 8 de dezembro de 1991, Yeltsin, sem consultar Gorba- chëv, comunicaria ao presidente Bush, o pai, que acabara de extinguir a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Para Eric Hobsbawn, a queda da URSS e do socialismo no Leste Europeu selou o fim do próprio século 20. Ninguém esperava isso, mas também não foi um passe de mágica e sim o esgotamento de um modelo de sociedade. O colapso político se deu quando os militares sequestraram Gorbachëv e tentaram um golpe de Estado, entre 19 e 21 de agosto daquele ano. Era outra pedra cantada, na qual não quis acreditar. 94 Luiz Carlos Azedo