O despejo do Smolni
No dia seguinte, me despacharam para Leningrado. Fui rece-
bido por um membro da direção do partido no berço da Revolu-
ção de 1917 que, neste 7 de novembro de 2014, completaria 97
anos. Com muita gentileza, mas meio sem jeito, disse-me que o
secretário-geral do partido não poderia me receber: “Você não
sabe da maior, acabamos de ser despejados do Smolni; está a
maior confusão por aqui”.
O Instituto Smolni, antigo convento da aristocracia russa, foi
a primeira sede do governo soviético, o local onde se realizou o II
Congresso dos Sovietes. Nele, os comunistas tomaram o poder e
Lenin anunciou as primeiras medidas da revolução: proposta de
paz imediata a todas as nações beligerantes; entrega da terra aos
camponeses; controle operário de toda a produção e distribuição
de bens e o controle estatal das instituições bancárias. Em
seguida, outras medidas de larga repercussão foram sendo toma-
das, tais como a abolição de todas as desigualdades de classe,
sexo, nacionalidade ou credo religioso, nacionalização dos bancos
e das estradas de ferro, entre outras. Foram dez dias que abala-
ram o mundo, como disse John Reed em seu livro famoso.
Com a transferência da sede do governo para Moscou, os
bolcheviques se instalaram no local e nunca mais saíram. Ocorre
que Gorbachëv havia aprovado um decreto apartando os bens do
partido dos bens do Estado e o prefeito de Leningrado, Gavril
Popov, aliado de Yeltsin, rompeu com o PCUS e mandou a milícia
pôr os dirigentes e funcionários do partido na rua. Não havia
nada que legitimasse a posse do imóvel, nem mesmo uma conta
de luz ou água paga pelos comunistas desde a tomada do prédio,
manu militari, pelos soldados e marinheiros que garantiram o
poder dos comunistas em 1917.
Diante do constrangimento, minha viagem a Leningrado virou
um grande passeio turístico. Fundada por Pedro, o Grande, às
margens do rio Neva, São Petersburgo é a primeira grande cidade
planejada do mundo e a quarta da Europa em população, atrás
apenas de Londres, Paris e Moscou. Fui ao Hermitage, à Catedral
de Pedro e Paulo, conheci o legendário cruzador Aurora e me
encantei com o balé Kírov. Caminhei pela famosa Avenida Nevski
até a famosa Estação Finlândia, pensando em Maiakovski, na
Flauta Vertebrada:
Eles eram justos e puros
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