100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 78

sas escalas, desde a censura absoluta aos intelectuais, até os fuzilamentos de opositores, chegando aos campos de concentra- ção e trabalhos forçados, além do deslocamento físico de popula- ções inteiras de camponeses que não se adaptaram à coletiviza- ção forçada imposta pelo regime. Na disputa geopolítica, que fazia nascer uma nova potência militar, a segunda vida da Revolução foi-se moldando à antítese do que foi o seu ideário inicial, terminando por confundir-se com a lenda, cuja essência custou a ser percebida por parte dos forma- dores de opinião, no mundo todo. Em virtude da polarização e da luta ideológica com o capitalismo, inúmeros intelectuais do Ocidente fecharam os olhos, por exemplo, para as montagens grosseiras dos processos de Moscou. Todo o arsenal de contradições entre doutrina e realidade não a impediu de manter o discurso da solidariedade internacional aos explorados, com a promessa de uma vida idílica na fase do comunismo, ou da ajuda aos povos colonizados, mantendo a pola- rização permanente com as potências capitalistas. Assim, a luta ideológica criou uma realidade autorreferida, enquanto um processo brutal de acumulação primitiva, por meio da expropria- ção quase absoluta do excedente produzido, foi construindo uma burocracia poderosa, o que não deixava de ser um canal de promoção para uma elite operária, e de recompensa para as adesões tardias ao partido. Em sua fase de consolidação, nos anos 1937/40, o terror se esmerou com prisões, fuzilamentos e campos de concentração, que vitimaram milhares de “inimigos fabricados”, entre eles a grande maioria de membros do próprio Comitê Central Bolchevi- que, à época da Revolução. Praticamente dois terços dos bolchevi- ques históricos foram presos e fuzilados como “inimigos do povo”, em cenários macabros para desmoralizar os “traidores”, com destaque para as lideranças históricas do Bolchevismo, como Kamenev, Zinoviev e Bukharin, sem falar no exílio e assassinato de Leon Trotski, organizador do Exército Vermelho, que garantiu a manutenção do poder soviético no período da guerra civil. Muitas análises atribuem a um desvio patológico de Stalin a transformação da ditadura do proletariado em totalitarismo de Estado, quando, de fato, a natureza que o regime assumiu já estava dada na própria doutrina do partido. Estava tanto no Que Fazer e Estado e Revolução, como na prática política dos primei- ros momentos do governo. Prática que foi transformando uma 76 José Arlindo Soares