100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 65

duas fases do comunismo, uma inferior e outra superior. Está na Crítica do Programa de Gotha. E a relação com a propriedade assim como a relação de explo- ração do trabalho não eram as únicas apontadas por ele como responsáveis pela alienação do homem. Ou seja, a coisificação crescente do ser humano e a opressão exercida pelo Estado sobre ele foram ignoradas pelo socialismo realmente existente. Vale dizer, são muitas as áreas da experiência humana que merece- ram a atenção de Marx, e não apenas a opressão econômica. Contudo, acabou prevalecendo a redução da "etapa inferior" do comunismo à simples organização de um sistema econômico com base nas empresas estatais. Deu no que deu. Na seara política, prevaleceria um absolutismo próximo daquele vigente na Europa do Oeste durante o século 19. Absolu- tismo esse que deitava raízes no velho czarismo, é bem verdade – mas que o fechamento da Assembleia Constituinte pelos bolchevi- ques só agravaria. Na realidade, os líderes políticos russos viraram as costas a algumas das mais caras práticas democráti- cas presentes desde o final do século 19 no movimento socialista e operário europeu, como os direitos de greve, de reunião e de voto. Ora, se essas conquistas foram obtidas sob o capitalismo, mais uma razão para que fossem mantidas por aqueles revolucio- nários. Questão complexa esta da democracia. O fato é que a Revolução Russa teve dificuldades em assimilar o que a civilização humana havia produzido de melhor, até então. E a democracia é justamente isso: um conjunto de valores civili- zatórios, em que despontam conquistas como o habeas corpus, que data do Império Romano. A tradição autoritária russa – uma área de frágil presença da sociedade civil, frequentemente engo- lida pelo Estado, em prática nitidamente "oriental" – acabou falando mais alto. A extraordinária contribuição da União Soviética à luta contra o nazismo não seria, infelizmente, assimilada internamente no sentido de uma abertura política. Mesmo assim, os comunistas ajudaram a consolidar a democracia no Ocidente, participando de governos de União Nacional, como na França e na Itália, e esti- mulando políticas de frentes populares. Propuseram a importan- tíssima política de coexistência pacífica entre regimes sociais diferentes. E o papel dos comunistas nas lutas pela descoloniza- ção também foi digno de nota, com destaque para seu apoio inabalável ao povo do Vietnam. Os comunistas da III Internacio- Um século russo 63