100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 57

antiga tese soviética de que tudo caminhava para o socialismo. O boliviano insistiu que, se o capitalismo vinha sendo capaz de desenvolver-se não só na tecnologia, mas na distribuição social dos produtos, isso não valia para a maior parte da América Latina: era necessário que algum país de peso virasse socialista para que ele se tornasse “bonzinho” no continente. Sem tal alternativa, os latino-americanos ficariam expostos aos interesses das grandes metrópoles e seriam ordenhados como nunca. Como os alemães calassem e o boliviano ficasse pendurado no ar, Mário disse que o surgimento de uma Cuba socialista tinha provocado o contrário, ou seja, a instalação de ditaduras milita- res por todo o continente e que os países socialistas não apare- ciam como alternativa tecnológica viável para o terceiro mundo e não estavam sendo vistos como alternativa ecológica. A ciência, a tecnologia e a arte sul-americanas talvez só fossem levadas a sério se a educação ampla e de qualidade fosse um programa permanente de Estado, como havia sido na Prússia com Frede- rico, o Grande. Se não, o que se desenvolveria seria a emigração devido à diferença entre primeiro e terceiro mundo. Não é alterna- tiva − acrescentou com ironia − regredir aos valores das culturas indígenas, desistir da modernidade, reproduzir demais e morrer cedo. Se os países industrializados só quisessem explorar, quanto menos riqueza e trabalho houvesse, menos teriam eles a explorar. Essa poderia ser uma estratégia secular de resistência. O dr. Altenberg interveio sarcástico: – Diversão lá, trabalho aqui! Bom programa! Um sociólogo de Leipzig comentou a expressão corrente de que “os alemães vivem para trabalhar em vez de trabalhar para viver”, para dizer que só assim tinha sido possível sair da fome e conseguir progresso. Não adiantava o terceiro mundo ficar chorando miséria, acusar europeus e americanos para depois bater à sua porta exigindo ajuda. Ele que tratasse de resolver seus problemas: se vendia a preço de banana não só a banana, mas a madeira, o miné- rio e a própria força de trabalho, se era incapaz de se organizar de modo mais produtivo e menos corrupto, não podia viver de crédito, tinha de pagar o preço. O boliviano se levantou, dizendo que a dívida externa da América Latina era uma ficção para legitimar uma desca- rada exploração e que não se devia pagar mais nada, controlar toda remessa de lucro e proibir toda exportação de recursos naturais. Utopia e realidade no socialismo de Estado 55