direito de voto, como se voto formal bastasse para a cidadania;
exigiam direito de expressão, como se ele não fosse inversamente
proporcional ao público potencial.
Será o homem um ser insatisfeito por natureza? Sempre a
buscar outra coisa, a querer mais? – Assim formulada, a pergunta
pouco adianta. Alimentação – sim –, mas que tipo de alimenta-
ção? Moradia – sim –, mas de que tamanho? Saúde – sim –, mas
quem pagaria? Emprego – sim –, mas com que prédios e máqui-
nas? No socialismo, havia muitas fábricas com janelas quebra-
das, máquinas antigas e pifadas. No capitalismo, uma minoria de
ricos desperdiça em luxo o que falta à maioria em comida, escola,
saúde, moradia. A questão humana começa, porém, depois que as
necessidades primárias estiverem atendidas. O que a um faz feliz
é a desgraça para o outro.
Perseguido no Brasil, fui professor titular visitante na Univer-
sidade de Rostock, de 1988 a 1992, tendo vivenciado, desde dentro,
o último período e o colapso do socialismo de Estado. Escrevi em
1990 um romance, O Muro, em que registrava o embate entre os
dois sistemas. Meu único leitor foi, então, Jorge Amado, que estava
em Paris. Ele quis publicar a obra na editora de que era mais
próximo, mas depois me disse que havia problemas no momento.
Eu quis deixar que o tempo depurasse o que eu havia escrito e
decidi guardar o texto por 25 anos, até que o publiquei em 2016.
Cito aqui uma parte do capítulo IX, 2 Rerik, em que se refletem,
num simpósio de latino-americanistas em 1988, portanto antes
da Queda do Muro, tensões então presentes e que continuam de
algum modo atuais:
– Não se compensa mais atraso econômico com culto à personali-
dade – interveio um colega barbudo, Hans-Theodor, um biólogo. Stálin
não executou a política que Lenin queria e não fez boa industrializa-
ção: sentou em cima da baioneta, e isso não é cômodo. Não vai dar
certo fazer ciência, arte e tecnologia só na Europa, no Japão e na
América do Norte. Cientistas de países pobres são mais baratos, às
vezes até mais competentes, mas as metrópoles não querem perder o
domínio técnico. Cuba insistiu em plantar somente cana: o preço do
açúcar despencou no mercado, não industrializaram o país. Planejar
a economia pode ser tão ruim quanto a antiga anarquia capitalista.
No Brasil, constroem estádios e pontes sem uso em vez de ferrovias,
hospitais, escolas. A América Latina não pode condenar o esforço de
2
Kothe, Flávio R. O Muro, São Paulo: Scortecci, 2016, p. 133-144.
Utopia e realidade no socialismo de Estado
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