gerontocracia não as encaminhava. Quando achou que bastava
um chefe mais jovem (que se concentrou em proibir a vodca), era
tarde demais. O transparente é o que menos se vê. A “União
Soviética” foi um modo de os russos dominarem povos vizinhos,
dando para si melhores empregos e casas, o que provocou
profundas revoltas. Nos países bálticos, vi pessoas se darem os
braços para que os russos fossem embora: a fila tinha setecen-
tos quilômetros. O império se desfez.
Na segunda metade do século 20, os Estados Unidos havia, em
nome da democracia, implantado ditaduras por toda a América
Latina; em nome do marxismo, o comunismo soviético não conse-
guia ser materialista, nem dialético e nem histórico. Os dois regi-
mes faziam o contrário do que proclamavam. Fingindo aproximar
o real do ideal, aumentavam a distância entre ambos. Os inimigos
se pareciam mais do que admitiam.
É preciso entrar na esfinge para, de dentro, tentar decifrá-la.
Não se pode confiar, porém, na apregoada honestidade da esfinge
da fábula, pronta a se suicidar ante quem proferisse a palavra do
seu banal mistério. Não, a oligarquia devoraria a quem dissesse o
seu nome secreto, antes que mais alguém o escutasse. Não, do
seu encontro com Édipo a esfinge sai disfarçada de filho de Laio.
Nas primeiras décadas do século 20, fascistas e comunistas
estavam todos buscando redenção, Deus projetado na sociedade
ideal, o Estado como Divina Providência. Milênios de embates
secretos estavam aflorando, inimigos unidos na crença de que a
história teria sentido, que um homem melhor seria possível.
A ilusão do ideal dava sentido às existências, parecia justificar
matanças e guerras. Cada um queria ser melhor que o outro, com
quem tanto se parecia. Conseguia ser pior, querendo ser melhor.
Nos países sob regime comunista, necessidades básicas passa-
ram a ser atendidas na paz – emprego, teto, roupa, alimentação,
saúde, educação e até lazer –, não apenas no papel. Isso, porém,
não bastava: depois disso é que começavam os problemas mais
humanos. Acreditar em um deus que tudo sabia, significaria acei-
tar a onipresença de um serviço de informações, um deus que
tudo podia era incompatível com a noção de liberdade. Sob a laici-
zação, havia crença, metafísica. Aqueles que acreditavam na vida
eterna venceram aqueles que apostavam se salvar na existência
terrena, pois ela não estava salva. Não se vivia melhor. Os cida-
dãos queriam o direito de viajar sem restrições, sem lembrar que
a liberdade no capitalismo é proporcional ao dinheiro; falavam de
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Flávio R. Kothe